Escravizados pelo sexo
Do que somos capazes pela falta do amor?
Compulsão
sexual é um assunto sério. É doença e tem tratamento. Pode acontecer comigo,
com você, e até com aquela pessoa mais meiga do escritório que ninguém dá nada
por ela (somos mistérios pra nós mesmos). Eu precisaria estudar anos de
psicologia para me aprofundar no tema e, por esse motivo, não bancarei o
sabichão que tem respostas pra tudo na ponta da língua. A minha abordagem será mais
simples, com foco nos nossos pequenos hábitos que se repetem e que podem nos
tornar num monstro com infinitos tons de descontrole emocional.
A nossa cama
diz muito sobre a gente.
Tudo começa
de forma bem inofensiva. Umas curtidas nos “modeletes” do Instagram, um videozinho pornô que a gente assiste pra se aliviar,
um rapaz que cruza conosco na rua e deixa o Whatsapp,
mais curtidas, mais vídeos, uma agenda que, a certa altura, já está abarrotada
de pessoas identificadas por códigos... E quando a gente se dá conta está
imerso num mundo tão vazio e pequeno que cabe dentro de um aplicativo de
“pegação”.
A linha que
divide uma pessoa sexualmente ativa de um compulsivo é bastante tênue, apesar
de que não dá pra confundir uma coisa a outra. Transar todos os dias não significa
que somos ninfomaníacos. Um casal que bate cartão na cama diariamente está
amplamente saudável, ajustado na sua plenitude.
A história
começa a desandar quando uma só pessoa deixa de ser suficiente. Daí inicia-se
aquele filme que todos já devem ter assistido: um namoradinho fixo para os fins
de semana, o contato de um plano B pra dar umas fugidinhas de vez em quando, o
carinha da academia que é um tesão e você não pode deixar passar, mais uma
proposta de alguém que surge do Whatsapp,
e que você não via há tempos. ‘Só mais esse’.
Um pequeno
intervalo.
‘Olha só aquele surfistinha, está me dando
mole...’ E bye bye praia com os
amigos. Sem perceber, a pessoa fica escravizada por uma descarga de adrenalina
que vem com gostinho do proibido, com desejo incontrolável por aventura, por novidade
e é preciso se satisfazer a qualquer custo. Num mundo em que tudo nos é lícito,
que mal tem ficar com quem nos atrai?
Um milhão de
desculpas passam pela cabeça de quem está dominado pelo sexo fácil: é um
atestado médico daqui (Hoje não estou na vibe
de trabalhar!); uma coleção de mensagens não atendidas enquanto está na
“caverna” se ocupando com a masturbação; os amigos que vão para o segundo plano,
a visita de praxe à família que fica pra escanteio ‘Não, mãe, está tudo bem,
vou desligar, beijos’.
Como qualquer
adicto leva-se muito tempo pra perceber os caminhos tortuosos que está
trilhando. A pessoa acha que está no controle da situação, que será capaz de conter
os impulsos sexuais, que já conseguiu experimentar o maior dos fetiches (ménage à trois, sexo grupal,
sadomasoquismo, adicionar entorpecentes associando drogas ao prazer) e quando menos
espera, está pensando no próximo da lista: bora pra real?
E o que há de
real nisso? Superficialidade e ressaca moral.
É o que sobra
quando vamos para o banho com a ilusão de que estamos eliminando o nosso ato
sujo, sem ter ideia de que as impurezas ficam impregnadas no espírito,
adormecendo a paz lentamente e despertando cada vez mais o instinto selvagem de
caça. E nessa perturbação emocional, trocam-se telefones, salivas, energias.
Perdemos um pouco do nosso coração, da esperança de encontrar alguém bacana, ou
destruímos uma relação incrível que temos, jogando o amor para o final da lista:
‘estou muito feliz solteiro, obrigado’.
Mentira
deslavada.
Quantos sonhos não se perdem, quantas relações
são desfeitas, quantas amizades se destroem porque a gente prefere viver a vida
“desbloqueados”, livres pra qualquer chip, prefere se agarrar aos lençóis, se
relacionar com a própria vontade, morder os lábios, as fronhas, segurar alguém
pelo pescoço, nunca pelos sentimentos. E o que vem depois disso?
Na falta do
amor, a ansiedade surge sem pedir licença e nos atormenta com a ideia de que
precisamos preencher algumas lacunas. Do contrário, o mundo vem abaixo. Cada um
de nós sabe o descontrole emocional que esconde a sete, ou, cinquenta chaves.
Pode ser o excesso de doces que nos acalma; a vontade incontrolável de gastar,
comprar coisas que não precisamos; a necessidade de ir à academia três vezes ao
dia; ter que trabalhar mais do que o normal pra se esconder da vida que nada
acontece; o exagero de afetos que sufoca, porque não suportamos conviver com a
solidão; o vício por games, remédios, drogas, sexo e uma lista infindável que
se amontoa.
Christian Grey
de “50 tons de cinza” ficou com
sequelas emocionais ao ser deixado pela mãe quando criança, história que quase
beira a de Bruna Surfistinha, adotada e desprezada pelos pais. Abandono,
rejeição, ansiedade: falta de amor. Não nos faltarão motivos pra tornar a nossa
vida mais difícil que o necessário.
Se você sofre
de compulsão sexual, ou está indo nessa direção, está em tempo de enfrentar a
dor de frente, levantar-se do tombo, desprender-se das algemas masoquistas que
adestram nossa mente, recuperar a virgindade da alma, abrir mão da alta
rotatividade de parceiros e conviver com a própria presença sem ser algo
aflitivo, ter domínio dos próprios atos, assumir que algo precisa ser mudado
sem a desculpa de usar a expressão “válvula de escape” para agir com
inconsequência, se expondo às doenças físicas e mentais.
A nossa
cabeça é um território vasto, blindado de forma que ninguém tem acesso. É onde
vagam os pensamentos mais clandestinos, é o local onde convivemos com a nossa própria
lógica, onde se estabelecem as batalhas internas e somente nós, Meninos de
ferro, podemos decidir se vamos vencer ou fracassar.
Bruno de Abreu Rangel