Em que momento nos perdemos dos nossos sonhos?
Pode soar
como uma baita falta de educação. Mas, aqui no Rio de janeiro, é muito comum
entrarmos num taxi quando o último passageiro mal terminou de descer. Não é pra
menos, a cidade tem uma das maiores frotas do mundo e o custo/benefício faz com
que esse meio de transporte seja uma opção para a maioria das classes. E a
correria da vida deixa os cariocas, um tanto quanto, afoitos: não querem ter a
impressão de que estão perdendo o dia com protocolos inúteis.
Foi o que
fiz. Tão logo entrei no taxi em Copacabana rumo à Ipanema e o taxista se
prontificou:
__Você não
viu quem acabou de descer?
Fiz uma cara
de quem não estava entendendo e ele continuou:
__Aquele cara
que fez um filme da favela, que tem o pessoal do Bope, esqueci o nome dele...
__Wagner
Moura.
__Isso, ele
mesmo! Precisava ver, é uma pessoa normal como nós, muito simples, gente boa.
Ele conversou comigo de igual pra igual, acredita?
Fiquei
matutando aquele incidente na cabeça. Será que ele imaginou que o Wagner Moura
entraria no seu taxi com um fuzil gritando:
__Segue
aquele carro!
E daí
entrariam numa aventura mirabolante com direito a troca de tiros, perseguição,
adrenalina no sangue, suor artificial protegido por uma maquiagem com direito a
Photoshop e tudo mais? O Wagner Moura é normal, a Xuxa é total
normal e, o Obama é mais normal ainda – pra não dizer sem sal.
Paulo Coelho
não ficaria no banco de trás citando versículos de autoajuda, Rihanna jamais
perderia seu tempo dando uma palhinha ‘like
I’m the only girl the world’, Sabrina Sato jamais ousaria vestir a fantasia
de panicat repetindo ‘Oi, gente’, com
a cabecinha curvada pro lado. Essas pessoas, na maioria das vezes, têm a vida
corrida como a nossa. Estão preocupadas com suas despesas pessoais, com as
cobranças ou, faltas amorosas. Sentem fome de amor, sede de reconhecimento que
nenhum holofote consegue reproduzir, temem a velhice, a solidão. Foi se o tempo
em que celebridades eram mitos, sem acesso às suas intimidades. Hoje soltam um
pum e os comentários respingam na nossa timeline
do Facebook.
A sociedade
assassinou gerações quando divulgava a felicidade artificial sem dizer o que
estava por trás de tudo isso, mostrando apenas celebridades com um corpo
impecável, vestindo grifes milionárias, com sorrisos intactos no estilo: eu
vivo em plena alegria, você não.
Felizmente,
essa nossa condição de plateia tem caído por terra a cada dia. As pessoas estão mais espertas e entendendo
que nem sempre quem está no palco é digno de aplausos. Sem tirar o merecimento
das nossas grandes personalidades, mas será que eles são realmente os melhores
no que fazem?
N-Ã-O!
Tive a
oportunidade de trabalhar com uma jornalista que escrevia como ninguém. Com
muita facilidade redigia algumas linhas sobre qualquer coisa e pronto, você
ficava ali, extasiado: “O que você está fazendo aqui, perdida nesse
escritório?”, pensava comigo. Mas ela estava mais preocupada com esse lance
todo de alma gêmea, encontrar o cara ideal, e isso consumia a maior parte do
seu tempo livre. Estava focada na sua paz de espírito.
Outra pessoa
fenomenal foi uma chefe que tive: uma francesa com jeitinho brasileiro. Tinha o
savoir faire parisiense e o bom humor
carioca, uma mistura estupenda. Uma mulher finíssima, com elegância nas atitudes
(Chegava a pedir permissão para nos dirigir a palavra), sempre com um sotaque
gostoso de ouvir, movimentos leves, um sorriso largo e um olhar penetrante que
passava confiança. O que uma mulher tão linda, chique, de família abastada,
estava fazendo naquele hotel cinco estrelas de Copacabana?
Existe também
um rapaz na academia que rouba a cena quando vai treinar. É impressionante o
seu magnetismo, carisma, a forma como trata desde a menina da faxina aos seus
companheiros de treino, sem qualquer diferença. O seu corpo é de dar inveja,
está com seus vinte e tantos, é bem articulado, tem um sorriso perfeito e olhos
azuis da cor de uma pedra Safira, que ficam ainda mais realçados quando ele decide
aparecer bronzeado: não, não curto muito esse lance de modelo, nem levo jeito
pra televisão. É a resposta que ele tem na ponta da língua.
Todas essas
pessoas, com suas qualidades, quase que invisíveis, simplesmente optaram pelo
anonimato e estão brilhando no backstage
como jornalistas, médicos, profissionais de educação física, cabelereiros,
diaristas. Estão cumprindo o seu papel da melhor forma, tomando taxi como meros
normais, seguindo suas vidas sem a obsessão de serem reconhecidos, sem a menor
intenção de provar ao mundo o talento que corre em suas veias. Estão com outras
prioridades na cabeça.
É certo que algumas
fatalidades nos tiram da nossa trajetória, do tão sonhado plano em tornar-se
num músico, por exemplo. A gente descobre que não dá dinheiro, que o nosso país
valoriza mais bundas do que os donos delas, que vai precisar cantar de graça
por muito tempo... E, então, as contas se empilham; os pais insistem na
cobrança: ‘é melhor estudar pra concurso’, e você se envereda por outro caminho
se transformando em algo que nunca quis porque precisava satisfazer os outros:
bem vindo ao mundo real. A música vira, no máximo, um hobby e você fica com o gostinho do reconhecimento engasgado,
acreditando que não é tão bom quanto os que estão no palco.
Se o seu
desejo é ser músico, ou, seja lá o que for, trace objetivos, vá atrás, porque a
lamentação é angustiante e consome grande parte da nossa juventude. É preciso
ter capacidade de surpreender a autoconfiança, entender que nem todos terão as
mesmas oportunidades (alguns drasticamente terão mais sorte do que outros), e
não há necessidade de revoltar-se contra isso. O nosso brilho deve vir da alma,
e o sucesso não depende de plateia, mas da nossa aptidão de colocar em prática
o que fazemos de melhor.
Bruno de Abreu Rangel