quarta-feira, 20 de maio de 2015

Os eternos solitários do paraíso artificial

Agora que o verão passou, todos querem namorar.

                                                         
                Imagem ilustrativa do filme “Paraísos Artificiais”.

Acabou a lua de mel com o verão.

Apesar de ser a estação do sex appeal já estávamos fartos de suar feito porcos e ter que ir à praia pegar câncer de pele pra provar ao mundo que curtimos a vida. Graças ao bom Pai, as chuvas deram sinal de vida, as temperaturas ficaram amenas e o nível do Cantareira subiu - inversamente proporcional ao nível das boates, que, diga-se de passagem, estão lá no chão. Onde foram parar os partidões, os lindos, “ricos e famosos”, que coloriam as baladas?

Parece que recolheram o tapete vermelho, desligaram os holofotes, as cortinas se fecharam e o espetáculo terminou. Todos os personagens voltaram pra vida real onde se tem contas pra pagar, uma pilha de roupas pra lavar, e uma série de questões pessoais pra colocar em dia. Cada um com seus problemas. Bom, isso até o ano que vem, quando começa tudo de novo: academia de Segunda a Segunda; frango grelhado e batata doce (manhã, tarde e noite); oito horas de sono cronometradas, ciclo de anabolizantes que a pessoa jura de pé junto nunca tomar; Whey Protein, cookie de Whey Protein, bolo de chocolate com cenoura (de Whey Protein); praia todo final de semana; filtro solar; filtro do Instragram... Todos no circuito do mata leão – mordida de pescoço – parede.

Como tudo tem tempo de validade... O que acontece quando a festa acaba? Qual o preço que pagamos por um dia no paraíso artificial?

O outono é pra poucos. Inicia-se a época do recolhimento: as pessoas ficam mais caseiras, sensíveis; um tanto quanto inibidas, já não vão à padaria quase nuas; o frango grelhado vira Mcdonalds (a dieta entra em greve por tempo indeterminado); os cinemas ficam mais disputados por pombinhos felizes; os aplicativos de pegação bombam de perfis do tipo “querendo algo sério” e os restaurantes, recheados de casais apaixonados desejando um amor pra vida toda que, em outras palavras, significa: me distraia até o próximo verão? As relações, nos dias de hoje, não se sustentam por muitas estações.

Viver sozinho é duro. Passamos a vida toda sendo despistados por convenções, datas comemorativas, eventos que se repetem, fatos irrelevantes que vão e vem. E, quando nada de novo acontece, pensamos que talvez seja a hora de ter uma companhia. Mas, diferente do que muitos pensam, relacionamento não é algo tão fácil que você cria um perfil no Grindr e bingo: encontrei a tampa da minha panela. Não funciona assim.

A busca incessante pela pessoa ideal virou caso de polícia. Hoje ninguém se permite estar com alguém sem antes fazer uma breve investigação sobre os seus passos, seguindo a linha do “Eu sei o que você fez no verão passado”. E, se após essa etapa, todos os itens da lista dos desejos não forem atendidos: tô fora. Esse já ficou com duas pessoas na academia, não serve. Aquele gosta de Beyoncè, o outro é cabelereiro, o fulano mora na Zona Norte, o ciclano não tem todos os gominhos da barriga, próximo!

Dia desses presenciei um rapaz tentando puxar assunto com um bonitão numa dessas casas de suco que encontramos a cada esquina de Ipanema. Perguntava, pisando em ovos, se ele saberia indicar um bom lugar pra sair naquela noite de Terça Feira e sua resposta foi curta e grossa: joga no Google. E virou o rosto. Senti vergonha pelos dois: um por ter sido vítima de um mal educado estúpido, e do outro por ter criado um mundo em volta da sua arrogância, sendo impossibilitado de se permitir ao imprevisível. Perdeu, em algum momento de sua existência, o senso de humor da época em que uma cantada nos tirava um sorrisinho no canto da boca. O amor pode acontecer onde, quando e com quem a gente menos espera.

Precisamos ficar mais relaxados, parar de entrar na paranoia de que o primeiro encontro é uma entrevista de emprego. Não existe mais aquela inocência de sair com um bonitinho e ver no que vai dar. O que aconteceu com o “vamos caminhar na praia e dar uns beijos”? Estamos aprisionados na síndrome do casamento (a pessoa acaba de conhecer e já quer saber se é pra casar). Daí rola aquela dança das cadeiras: cinco minutos pra cada um e terminam no zero a zero.

 E assim seguem a vida como se estivessem numa eterna boate, circulando pela pista de dança, flertando aos montes, se “esbarrando” com todos os tipos de pessoas, tendo conversas superficiais que não dizem nada, e voltando para suas casas com uma impressão de que algo está faltando. Até mesmo os bem-sucedidos, que tiveram retorno na carreira profissional, que esbanjam um saldo na conta bancária e conseguiram custear uma série de produtos que transformou o corpo... Entram e saem com a sensação de estarem sozinhos. Apesar de levarmos a vida como se a juventude fosse eterna, o tic tac do relógio nos faz lembrar que ninguém está ficando mais novo. Quando a onda da bala passa, um dia de boate pode equivaler a cem anos de solidão.

Vamos combinar, a night não está na sua melhor fase; os amigos mais próximos estão ocupados com a própria felicidade; as redes sociais já estão dando preguiça (um bando de solitários se auto boicotando, sendo forçados a acreditar que um milhão de curtidas equivale a uma noite de amor no mundo real); a TV anda de mal a pior: 3.242 canais – e nada que nos prenda a atenção. Isso não nos soa familiar? Muitas opções, muitas escolhas e nenhum xeque-mate.

Não há nada de errado em sair com os amigos pra curtir uma boa música. A questão, definitivamente, não é estar na boate, mas fazer parte dela, ser mais um figurante que lota a pista de dança sem fazer nenhuma diferença na vida de alguém, ou pra si mesmo. Desperdiçar todas as energias com o excesso, passar todo tempo ocioso encarando o suor de pessoas que a gente mal conhece, se esquivando de um Sábado sem grandes acontecimentos, temendo cair num marasmo e bater de frente com o silêncio. Às vezes, solidão é simplesmente o estado natural das coisas e como uma tempestade, ela vem e passa.


Bruno de Abreu Rangel

8 comentários:

Anônimo disse...

Amem, brother.

Cara da Tijuca disse...

Parabéns, Bruno!

Acredito que devemos cuidar de nós mesmos, sem muito individualismo, hipocrisia ou solidão. Estar preparado para saber e perceber que estar só, em algumas situações, é legal.

E que amor, aquele grande amor, pode estar no metrô, no restaurante cheio ou no volta despretensiosa do shopping.

Vou ler os outros textos!

Anônimo disse...

Dança das cadeiras, conseguiu resumir exatamente o que está acontecendo. Quando esse pessoal vai acordar? Muita futilidade e pouco conteúdo.

Anônimo disse...

É Bruno me parece essa ser a realidade de vcs paulistas acostumados com todas as festas, com milhões de opções por fim de semana. O que acaba tirando o prazer do inédito e da surpresa. O que não acontece com nós do interior no sul do Brasil. Aqui as festas não são megas, mas quem realmente se propor a conhecer alguem consegue. Acho que aqui as pessoas são mais simples sem ser presas a tantas tendências e exigências de como agir de como ser que regem a todos que moram numa grande cidade. Essa necessidade de querer ser e parecer cosmopolita antenado cria uma espectativa muito difícil de ser superada já que a exigência é muito grande acabando por deixar todos a procura do impossível perfeito ser.

Thiago Gravino disse...

Bruno, parabéns pelo texto!

Anônimo disse...

Primeira vez que vejo alguém escrever de forma que nos toca e escreve sem a pretensão de ser um intelectual sabe tudo. Perfeito!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Bruno, já te conheci pessoalmente e notei a pessoa incrivel que tu é, agora que descobri o seu blog e li dois textos com os quais me identifiquei profundamente, percebo que o que conheci foi apenas a ponta do iceberg que é a sua pessoa.

Parabéns! e agora lerei seus textos com mais frequência.


Att,

Alguém de Beagá

Anônimo disse...

Cada um com seus problemas e cada um que fale por si e não por todos, é muita arrogância e prepotência achar que todo mundo gosta das mesmas coisas e faz as mesmas coisas, seja lá qual for a época do ano.