Um pedaço de papel;
Um carimbo de firma reconhecida;
Dois anéis;
E um padre no meio pra dizer Amém.
Isso é casamento – não amor.
Amar não é
algo tão simples como parece. Passamos
toda uma existência buscando porto seguro nos relacionamentos, terra firme no
coração de terceiros e exigindo do nosso parceiro uma solidez decretada numa
cerimônia que não passa de um ritual.
Quando
mergulhamos na realidade sabemos que é preciso ter coragem para dominar o medo
do tédio, da rotina que ganha espaço a cada dia, do sexo que passa de paixão à
obrigação como num passe de mágicas, da falta de novidades que acorda o monstro
da inquietação. Temos a necessidade de sermos surpreendidos o tempo todo e quando
menos esperamos nos pegamos flertando com o proibido, querendo provar o sabor
de outra primeira vez, ser desejado como um adolescente à flor da pele cuja
vida se resume em (babado – confusão e gritaria).
E onde foram
parar as juras de amor eterno, aquela paixão do último capítulo de novela que
rendeu inúmeras fotos nas redes sociais? Em que momento as pessoas se perdem
umas das outras?
A falta de
desafios mata uma relação de pouco em pouco, como um conta-gotas. E de uma hora
pra outra vemos tudo desaparecer na nossa frente. E, ao invés de agirmos com
sabedoria, estragamos tudo de uma vez por todas, trocando ofensas e sujando as
nossas mãos com atitudes imperdoáveis.
Quantas
histórias não se desfazem porque o vaso da sala quebrou; porque alguém cometeu
o erro de curtir uma foto de algum desinibido sem camisa; ou, porque mensagens
trocadas no Whatsapp vieram à tona?
Hoje, é preciso de pouco para que duas pessoas desistam de seguir adiante.
Todos os dias a vida vai nos oferecer inúmeros motivos e alternativas para
deixarmos o nosso amor em troca de uma ilusão. O cartório e a igreja perderam
espaço e sobrou apenas um contrato que pode ser desfeito a qualquer instante,
sem muita cerimônia. Os dois irão se afastar, os amigos se aproximarão passando
as mãos na cabeça, ‘Relaxa amigo, você vai encontrar alguém que te valorize’, o
mesmo discurso das nossas mães superprotetoras que sempre nos mimaram com a
lavagem cerebral de que merecemos o melhor e que ninguém é suficiente.
Então basta
que uma das partes se aborreça e trocamos de cama com uma velocidade maior do
que se trocam os lençóis. Trocamos
de casa, as pessoas que vivem nela e voltamos ao ponto de partida, repetindo o
mesmo ciclo que é basicamente assim:
Você conhece uma pessoa, vive alguns instantes que comprovam as afinidades. O sexo é forte, frenético e
vai de amorzinho à selvagem numa facilidade louca. Você se sente adolescente
quando já é adulto e se sente adulto quando é adolescente. O cheiro hipnotiza,
o toque da pele chega a dar arrepios na espinha, os defeitos são insignificantes,
as qualidades nos fascinam, as conversas fluem e são pra lá de prazerosas. Você
descobre no decorrer da convivência que ele faz um risoto ao funghi como
ninguém, que ele já viajou meio mundo, sabe trocar a maçaneta da porta, tem
qualidades que seu ex jamais sonhara ter. É novidade atrás de novidade. ‘Por onde
você andou esse tempo todo?’.
Sendo bastante otimista, toda essa fantasia vai
durar uns dois anos, no máximo.
Na etapa seguinte, vem o comprometimento.
A grande maioria das pessoas, nos dias de hoje, não chega nem próximo dessa fase
onde acontece o casório ou o ‘Traga um pouco de roupas, separei uma gaveta pra
você’. Começam-se o planejamento dos sonhos, a demarcação de território, o
“Você me pertence”,os apelidos fofos que vêm acompanhados com vozinhas de bebê.
Estabelecem-se as regras (o relacionamento pode ser careta, tradicional, um
pouco moderno e até com dois hambúrgueres, alface, queijo e molho especial –
desde que você volte pra casa). É nesse estágio que surgem as melhores viagens,
o apego ao círculo de amizades do outro, o aval da família ou a negação forever. O sexo não é mais um Cirque de Soleil, não há muitos
malabarismos, poucos improvisos, tudo um pouco premeditado. Ainda que numa roda
de amigos os outros casais digam que fazem amor loucamente todos os dias, você
ri por dentro e sabe que estão mentindo, e nem se incomoda muito com isso
porque o vínculo e a instituição família é que está em jogo.
Só o amor não é o suficiente. É a etapa da intolerância, da tendência à autodestruição, do silêncio incômodo
em frente à TV, dos assuntos repetitivos, das críticas por bobagens, da
desconfiança desnecessária, do ciúme exagerado (que é o medo de perder dando
sinal de vida), do sexo de vez em nunca, do perdão de mentirinha que ressurge
com cobranças ainda mais caras, da falta de pequenos gestos, dos elogios que
caíram no marasmo, da economia de afetos, do romance que ficou trancado numa
gaveta cuja chave se perdeu entre tantas outras coisas. E então surgem os pontos
de interrogação, os questionamentos internos, as faltas que surgiram na
infância e que empurramos pra baixo do tapete a vida inteira “Outra hora limpo
isso” e resolvemos vomitar as nossas frustrações e dar um ponto final porque a
nossa história de amor não é mais um conto de fadas.
E o tempo exato pra esquecer alguém... Não dá pra estimar: um dia, um mês,
um ano, uma eternidade que poderá nos render boas terapias. Não vamos morrer
por isso, ao menos fisicamente. Se você é daqueles que supera uma perda com
facilidade: nota 10 pra você, mas como qualquer ser humano não vai escapar do
processo de recuperação do amor próprio fazendo dietas mirabolantes, passando
horas na academia desafiando os limites do corpo, usando cremes caríssimos pra
rejuvenescer a pele, buscando apoio nos amigos, nas drogas sintéticas (tomando algumas
balas a mais pra colorir a vida com cores que você não consegue mais enxergar),
transando com o maior número de pessoas porque a sua presença não é suficiente
e entrando na paranoia de que qualquer desavisado que cruza o seu caminho lhe
trará a mesma segurança de antes.
Afinidade – comprometimento
– intolerância. Isso é o
mínimo que deveríamos saber antes de desistirmos de um relacionamento. Vai
acontecer novamente, seja com quem for, como num ciclo interminável. Ninguém é
obrigado a ficar com alguém que não lhe traga paz de espírito, mas se a gente
der vazão à inquietude passaremos a vida experimentando amores instantâneos,
destruindo sonhos na mesma velocidade da luz e criando expectativas cada vez
mais virtuais, sem fundamentos e com pouca estabilidade emocional. E sim, a
vida é curta e a fila anda, mas como já dizia William Shakespeare, “É comum
perder-se o bom por querer o melhor”.
Bruno de Abreu Rangel
4 comentários:
"Ninguém é obrigado a ficar com alguém que não lhe traga paz de espírito." E uma otima razao para terminar um relacionamento, porque como vamos "tolerar" uma pessoa que nao nos da descanco, sempre tem que checar as pessoas que ela curte no FB, sempre tem que estar atento a onde vai e com quem vai, ter sempre que dizer os limites, isso pode, isso nao pode. Nao ha ninguem que suporte isso por muito tempo... Entao a pergunta é: fazemos o que? Deixamos passar a oportunidade de conhecer um melhor porque ja temos um "bom" ?
Que texto lindo, com uma sutileza de emocionar. Continue nos agraciando com suas inspirações.
Concordo 100% com tudo que escreveu. Essa geração está totalmente sem raízes e com zero paciência para manter uma relação sólida. A facilidade e o leque de opções os aprisionam numa solidão que só perceberão com o tempo.
Parabéns pelo texto.
Marianne Garcia
Como sempre texto muito bom!
Parabéns Bruno.. sucesso.
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