Aquela cena
clássica. Um casal de amigos começa a lavar roupa suja na sua frente, trocar
ofensas e atirar pedras que chegam a nos ferir. O arranca rabo começa a
esquentar e alguém te chama pra briga:
‘Você
concorda com isso, fulano de tal?’.
‘Eu?’. E você
fica ali pasmo, com a faca no pescoço, sem saber o que dizer enquanto aguardam
pelo seu veredicto pra seguirem em frente com a tragédia. Se você responde com
o silêncio está contra ele, se tenta apaziguar está em cima do muro, se diz a
verdade... Perde um dos amigos, ou os dois, porque eles sempre acabam voltando:
a famosa relação ioiô.
Não tem
aquela frase “Em briga de marido e mulher não se mete a colher?”.
Algumas
pessoas são mais enérgicas do que outras, e algumas relações se firmam numa
tempestade, por incrível que pareça. Eles compreendem que quando a chuva passa
o sol reaparece, e isso é o suficiente para que um escolha o outro - todos os
dias. Mas, isso não vale pra todo mundo. A maioria das pessoas quer
tranquilidade, um relacionamento que seja alinhado, que tenha similaridade, que
não é gostar da mesma coisa, mas enxergar o mundo com os mesmos olhos.
Andando na
contramão, está a turminha dos que pagam pra ver. Sabem desde o início que a
relação não terá um happy end, mas
seguem adiante com uma história de amor que se torna numa roubada das grandes.
Afinal, homens... “Ruim com eles, pior sem eles”. Será mesmo?
Ele diz A,
você entende B. Ele é comunicativo e você é do tipo que se esconde,
praticamente um bicho do mato. Ele se contenta com a barriguinha de chope, você
se mata na academia. Ele é um freezer, você um mel na cueca. Ele quer se
aventurar em outras camas, você se satisfaz com a monogamia. Mas o sexo quando
acontece... Ah, esse sim é incrível, a cereja do bolo. Isso até se
empanturrarem. O que sobra quando enjoarem dessa delícia toda, o que será da
relação quando os pratos estiverem vazios? Não precisa ser tarólogo, pai de
santo, fazer mapa astral pra saber que relacionamentos como esses têm os seus
dias contados.
Se ele adora
ficar enfurnado em casa jogando games e você não abre mão de passar o dia na
praia com os amigos, terão que entrar num acordo sem que alguém saia perdendo. A
dinâmica do “um finge que manda e o outro finge que obedece”, pode funcionar no
início, mas se essa não é a sua natureza, o que mais precisa acontecer pra você
entender que a sua relação é um Titanic?
Pela falta de
amor próprio, muitos dizem amém e decidem viver a vida do outro, com o receio
de serem menosprezados, jogados para o escanteio. Engolem as lágrimas, aguentam
tudo calados, convivendo com a infelicidade, com a solidão a dois, tudo o que
for possível para não terminarem o dia, sozinhos.
Como se não
bastasse, se envolvem ainda mais, se jogam de cabeça, colocam o coração num
corredor polonês, criando constrangimentos pra si sem vislumbrar o pior lá na
frente. Há quem fique ainda mais apaixonado quando o cara insinua um “Não estou
preparado para viver algo sério”. Entram na fissura de querer dobrar o outro,
testar o poder de conquista e, às vezes, é necessário desenhar pra pessoa
entender que isso significa: mete o pé.
Se a
interação é predominantemente negativa, não é correspondida à altura, lhe tira
o sono. Se você não confia nele quando a ligação cai na caixa postal, fica
vasculhando os seus passos tentando achar pistas pra incriminá-lo, é hora de
abandonar o barco, colega. Não é nosso trabalho ter que ficar na função de
fazer alguém sorrir, ou vice-versa.
Nos meus
tempos de hotelaria, conheci um casal que caminhava pelos corredores do luxuoso
hotel e era recebido, pelos demais hóspedes, com olhares amargos que se
pudessem resumir numa frase seria: isso não vai pra frente. Ele, americano,
alto, loiro, com alto poder aquisitivo, rapaz de boas maneiras e gestos leves.
Ela, uma suburbana, mulata, de estatura mediana, um pouco extravagante, falava com
as mãos, tinha zero influência sobre a etiqueta social e não entendia uma só
palavra em inglês: ei, traduz aqui pra mim, por favor.
Um abismo intelectual.
O verão
carioca se repetiu por algumas vezes. Eles tiveram um bebê, o rapaz já se
arriscava no português, estava com um semblante mais alegre. Ela, com o inglês
afiado, visualmente mais arrumada, com um ar sofisticado sem perder a
carioquice do “mermo”. Entenderam que as diferenças eram insignificantes quando
comparadas ao que tinham em comum: amor nos pequenos gestos. A porta do carro
que ele abria (romance nunca sai de moda), os pedidos que ela solicitava pra
ele na ponta da língua “a torrada não pode ter orégano”, a paciência que compartilhavam
quando um não compreendia o idioma do outro, a vontade de estarem juntos sem
ser algo sufocante. Estavam conectados.
Procuramos
pelos relacionamentos errados porque ficamos atormentados mais com a ausência
do que com a presença; porque insistimos em não dar ouvidos à nossa intuição e
nos acomodamos num romance meia boca, já que temos o tempo a nosso favor; porque
não temos segurança pra seguir em frente sem “cagar nas calças”; porque temos a
doce ilusão de que podemos mudar a índole das pessoas e curar nossas feridas
com o bendito Merthiolate que
cicatriza, mas deixa marcas.
Ainda temos muito
o que aprender com esse lance de amor. Todos nós estamos enfrentando as mesmas
marés, as mesmas tempestades. Cada um precisa chegar às suas próprias
conclusões. Olhe pra pessoa de longe. Veja como ela trata um garçom, os
subalternos, esse é o tratamento que irá receber no futuro. Imagine-se com ela
nos próximos meses, anos, décadas. Ela se encaixa nos seus planos, é alguém que
você poderá recorrer quando tudo for de mal a pior? Os dias adiante não serão
fáceis e é bom que a gente tenha isso bem resolvido na cabeça.
Bruno de Abreu Rangel
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