terça-feira, 18 de março de 2014

Quer namorar comigo?



Transitando pelas calçadas do Leblon, me deparei com uma cena digna de Manoel Carlos. Um garoto que aparentava pouco mais de 18 anos estava com uma rosa nas mãos pedindo uma menina em namoro. Um verdadeiro ensaio para o casamento, praticamente um projeto piloto do “viver felizes para sempre”.  Minha reação foi instintivamente emotiva, mas me contive porque não fica nada bem um rapaz de 30 anos com uma tatuagem Maori nos braços chorando por aí por qualquer besteira. Digo isso porque a rua estava lotada e as pessoas que passavam não davam a menor importância. Se bem que tinha uma velhinha ranzinza atormentando o garoto apaixonado que, supostamente, estava atrapalhando a sua passagem. Ninguém se dava conta de que bem ali tinha uma amostra grátis da felicidade. A menina disse ‘SIM’ e eles se beijaram timidamente.

‘O mundo tem salvação’, pensei.

Particularmente gosto muito de ser cortejado, ser convidado pra sair com hora marcada, uma reserva num restaurante chique com direito a taça de vinho, luz de velas seguida de uma proposta de compromisso:

__ Quer namorar comigo?

Tudo bem que já pediram a minha mão algumas vezes, mas pra checar o porquê das unhas crescidas, uma suposta ferida ou pra dizerem que tenho mãos de pianista, mas nada de pedir em namoro, ainda estou esperando... Sentado. Talvez isso seja démodé, ultrapassado, mas não tiro o mérito de quem ainda preserva os bons costumes, como o garotão do Leblon.

  Confesso que já tive amores de tirar o fôlego, mas nenhum deles começou a relação assim – e nem por isso deixei de ser feliz e viver a paixão com a devida intensidade. A verdade é que se a proposta de namoro fosse feita num “podrão” caindo aos pedaços, com cerveja em copo de geléia, já estaria valendo. Só não abriria mão das velas, do romance, da demonstração de afeto.

Comigo e com grande parte das pessoas que conheço, tem acontecido diferente. Eu desenvolvi um termômetro bastante curioso, a escova de dente. Nunca falha. Quando alguém me diz: comprei uma escova pra você, a sua é a rosa e a minha é a azul. Faz-se uma piada, trocam-se beijos e nas entrelinhas fica a mensagem: “Quero que você esteja por perto mais vezes ou, quem sabe, pra sempre”.

E assim fica selado o início de uma relação. Sem cobranças, sem pressões, sem o medo de pedir a mão e receber um NÃO como resposta e ainda de quebra, com as possibilidades de colocar os prós e os contras na balança por um tempo indeterminado. E a vida segue o fluxo.

Nesse período em que decidimos dividir as escovas, a cama e a vida, tudo se torna mágico. Um alerta no celular indica alguém lhe enviando uma mensagem de bom dia; a fragrância de um perfume fica impregnada na pele e na nossa mente; uma música qualquer tocada no momento certo passa a ser o tema da relação como numa trilha sonora de novela; os defeitos são enxergados da forma mais fofa e nem nos incomodam; os gestos de preocupação se fazem presentes; as ligações de boa noite criam rotina e cartas de amor escritas à mão, hoje tão raras, mas com um valor imensurável, aparecem no nosso travesseiro pela manhã quando ele já se foi:

 ‘Tenha um bom dia, te amo’.

 E por aí vai uma sucessão de novas sensações, um beijo diferente, assuntos novos, um cafuné involuntário, uma sensação de tranquilidade e a esperança de que o “felizes para sempre” finalmente aconteça. E, uma das coisas que passa a nos confortar, é o barulho da chave na porta. ´Ele chegou em casa`.

O namoro acontece.

Deu certo.

E agora?

As chances de um relacionamento se firmar é a mesma de afundar. As possibilidades de dar certo são as mesmas de dar errado. Isso acontece desde que o mundo é mundo. O importante é viver um dia de cada vez. Entender que dividir uma existência ou parte dela com uma pessoa nos tornará melhores, seja como for a nossa relação, de crescimento ou simplesmente de aprendizado.

Se der errado, paciência. O que vale são as tentativas, as boas intenções em investir numa vida a dois. Se as escovas ficaram tão gastas quanto o colchão, se o sexo caiu no automático, a rotina caiu no ridículo, o romance no esquecimento... Isso é o mundo real, acreditem ou não.

De nada vale resumir um namoro, um casamento, ou o que queira chamar por uma situação que foi decisiva para o término. Não existe culpado. Se algo não deu certo, bola pra frente. Sair da vida de alguém não é tarefa fácil e o desapego é uma das maiores dificuldades dos seres humanos.

Sou daqueles que prefere ver o copo pela metade cheia, que dá mais valor aos dias juntos na praia vendo um por de sol, às viagens para lugares incríveis, às fotos que se misturam entre tantas outras coisas na gaveta e que se pudessem ter uma legenda seria: como sou feliz ao seu lado. E é isso que a gente leva da vida. Todo o restante é perda de tempo.

Vida que segue. E que o casal de jovens do Leblon siga namorando mesmo que o pra sempre dure apenas alguns meses, anos, ou o tempo necessário para se tirar uma grande lição.



Bruno de Abreu Rangel



7 comentários:

Lele disse...

Mandou bem, estou passando por uma situação semelhante, começando uma relação sem saber o que ela é ainda...a ansiedade é que mata!!!

N.B. disse...

2o texto do teu blog que leio, e 1o que comento. Antes de tudo, parabéns pelo cuidado e dedicação à escrita. Seu material é de grande qualidade e de leitura agradável. =)
Assim como você, nunca pediram minha mão em namoro, assim como eu nunca pedi. Também imagino que algumas formalidades tradicionais de relacionamentos fiquem nas entrelinhas nos relacionamentos modernos, como na sutileza da escova de dentes.
Por algum motivo, ainda me surpreendo (pro bem) quando me deparo com gays que tem aspirações românticas sobre relacionamentos. É motivador.
Enfim. Parabéns novamente pelo blog.
Grande abç!

Itallo Dawson disse...

Meu, adorei a forma que você vê o mundo, o sente e o descreve. Uma leitura excelente. E uma leitura dessas que todo mundo deveria fazer de vez em quando para refletir. Ganhaste um leitor assíduo :-)

Anônimo disse...

Fiquei bastante emocionado. Poucos escritores conseguem me comover assim.

Anônimo disse...

Nossa adoro situações românticas, ninguém nunca fez nada nem parecido por mim. Não entendo as pessoas que acham romantismo brega ou que não querem receber flores, estou começando a acreditar que meu problema é ser de peixe

Anônimo disse...

Como faz pra parar de chorar? Que texto mais lindo.

HUGOSALUM disse...

"Se der errado, paciência. O que vale são as tentativas, as boas intenções em investir numa vida a dois."

Talvez as pessoas estejam esquecendo do romantismo,ou as loucuras do mundo mudaram o tipo de romantismo, deixando de lado como ele deve ser, acho que o válido é vc expor o que sente, seja da forma que for,com uma rosa,uma escova de dentes,um copo de cerveja,a pessoa precisa saber que vc a ama e que quer tentar uma vida a dois,pode dar errado,como vc disse? Pode sim, mas pode também dar certo e não podemos deixar de nos atirar em novas e malucas experiências por achar que pode não dar certo. Prefiro a certeza cheia de cicatrizes de que não deu certo do que a dúvida eterna do "e se eu tivesse tentado?" E olha que sou perito em loucuras por amar, hahahahahaha...