Não há nada
mais confortante do que uma noite calma, o barulho da chuva lá fora, um
friozinho capaz de grudar os corpos como um Super
Bonder e, no meio da madrugada, você ser acordado com um beijo no cangote
seguido de um sussurrado ‘Eu te amo’ deixando-lhe aquela sensação única de que
a vida vale a pena.
Melhor do que
isso – só a digital.
Pela digital
você aproveita o fato de ter sido acordado involuntariamente, sai de fininho da
cama pisando com as pontas dos dedos como num desenho do Scooby doo (nem sei se ainda passa isso na TV, ou estarei
entregando a minha idade), pega o celular ultramoderno do seu amor, aproxima o
dedinho dele (a) e... Tcharaaaaam. Tela desbloqueada. Hora do check up semanal.
Vai pagar pra
ver?
Aconteceu com
uma pessoa bem próxima e acontece todos os dias desde que o ser humano colocou
na cabeça que o amor é uma propriedade privada: é meu e ninguém tasca.
Pessoas ciumentas
são inseguras, controladoras, nunca desligam o tal “prestador de atenção” que
funciona como um radar supersônico e a finalidade é sempre pegar alguém com a
boca na botija. Elas se pautam em contratos, acreditam que uma aliança
cravejada de brilhantes é suficiente pra segurar qualquer relação e se não
funcionar apelam pra joguinhos psicológicos, chantagem emocional, ou qualquer
atitude mirabolante que impeça o outro de voar pra bem longe.
O gran finale do casal veio naquela noite
em que a esposa aproveitou o ronco do marido pra xeretar as mensagens do Whatsapp dele. Lendo conversa por
conversa, ela fatalmente ficou de frente com o inimaginável: ‘Não sei mais o
que fazer, isso está me consumindo’. Ele planejava o divórcio por baixo dos
panos. E não havia outra mulher em jogo – era uma escolha.
Aquilo foi
como ter levado uma baita bordoada na cara. Logo ela que sempre esteve no
controle de tudo, que passou os últimos anos fazendo inspeções olfativas nas
suas roupas, procurando bilhetes nos bolsos, monitorando todas as mensagens das
redes sociais sem que ele soubesse, sempre atenta para desviá-lo do caminho das
piriguetes de plantão. Investiu todas as energias na fixação de mantê-lo
protegido ao invés de se preocupar em ser uma companhia melhor.
O ciúme é um
daqueles demônios que nos destrói aos poucos, como um cupim que vai consumindo
a madeira até virar pó. E tudo, antes sólido, vira farelo vulnerável a um
simples sopro. É como se ligassem um pisca alerta no inconsciente: você vai
perder isso, você vai perder isso, você vai perder isso. E quase sempre perde.
Os conselhos de avó são de uma sabedoria fora do comum: pássaro que vive em
gaiola, quando solto, não volta nunca mais.
Sabe aquela pessoa
que fica na porta de uma loja de departamentos oferecendo o cartão de vantagens
da empresa? Ela é treinada pra nos convencer a aceitar a proposta de adesão. O nosso
“não” ela já têm. Então se você diz “sim” logo de supetão, ela se perde, fica
zureta das ideias porque isso não estava no script.
O mesmo acontece com os ciumentos patológicos, no roteiro deles você está
sempre tentando pular a cerca e em algum momento será colocado contra a parede sendo
obrigado a assumir coisas que nunca fez. Mas se você muda as regras do jogo,
assume uma traição na maior cara de pau, ou desiste de brincar de casinha... O
mundo deles desaba. Para muitos, sentimento de posse é mais importante do que a
própria traição.
O universo é
maior que a nossa infantilidade esquizofrênica; essa mania de perseguição
desenfreada, de achar que alguém quer tomar o que é nosso; a paranoia de que
podemos levar um pé na bunda a qualquer momento. Esses pensamentos roubam a
nossa tranquilidade, trazem um desconforto emocional difícil de conviver e
acabam por afastar as pessoas que tememos perder de vista: o verdadeiro
coquetel do diabo. Se um dia alguém decidir sair do relacionamento não há nada
que possa ser feito, acredite. Tudo bem que isso pode não soar muito justo, mas
o mundo é justo?
Existem caminhos
e atitudes mais certeiras do que ficar se lamuriando, sofrendo por problemas ou
coisas que nunca irão acontecer. O diálogo está morrendo, nunca fomos tão
tristes e inseguros. Precisamos parar pra colocar a mão na cabecinha e pensar
quantas regras ridículas a gente precisa passar pra estar com alguém: permissão
de um juiz pra casar ou divorciar, o governo decidir se seremos ou não
reconhecidos como instituição família, aceitar os amigos do outro que não foram
com a nossa cara, enfrentar as contrariedades dos pais... Tudo isso pra depois
ter crise de ciúmes e colocar tudo a perder?
O mais
inteligente é tentar segurar a onda, amar sem ficar se torturando, abandonar as
misérias mentais que ficam fabricando fantasmas, ter mais autoconfiança pra
levar uma vida a dois sem se intimidar com a concorrência, honestidade para
aceitar as próprias limitações e entender que quando alguém nos acorda na
calada da noite com um ‘Eu te amo’, isso
significa “Não quero te perder”. Desconfiar de um sentimento é arremessar a
felicidade pela janela – é ser um chato de galochas.
Bruno de Abreu Rangel
brunoranelbrazil@hotmail.com