quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Meninos de Ferro


Sobre jovens que estão perdendo a batalha para as drogas 
e o sexo compulsivo. 


Um corpo sarado não deve definir o nosso destino.

Não sou a Madre Teresa de Calcutá e tampouco espero que pensem na minha reputação como um exemplo de vida. Sou apenas um escritor que convive com o seu céu e inferno; que vez por outra tem dificuldades pra dormir; que sente amor, ódio, ou, as duas coisas juntas e que passa por altos e baixos (mas não é esse o maior barato da vida?). Escrevo e escreverei para expor as percepções do meu amadurecimento, dar o testemunho da forma mais realista possível e poder dialogar com o desconhecido.

Assim como todos da minha geração, me considero um homem de ferro invencível, bem resolvido, que anda disfarçado de super-herói pelas esquinas da vida, mas que na intimidade não passa de um ser frágil sem saber direito que rumo seguir. Dentro de mim, existem dois leões ferozes que se gladiam o tempo todo, um do bem e outro do mal. Sabe qual vence a batalha?

Aquele que eu alimento mais.

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Era uma dessas festas que chegam a custar o nosso fígado de tão caras. Meio mundo estava presente para ver e ser visto, como naquelas antigas festividades da França medieval em que membros da Corte se encontravam no intuito de se vangloriarem, serem cortejados, trocarem olhares, fecharem negócios, casamentos.  Mas como o mundo “evolui”, os fraques e os vestidos pomposos foram pro espaço e todos ficaram descamisados com os músculos à mostra, os títulos de nobreza foram trocados pelo CEP (Zona Sul ou Zona Norte), os leques foram substituídos pelo “carão”, e os negócios... Melhor eu prosseguir com o texto.

O fato é que eu estava na companhia dos amigos curtindo a noite quando de repente...

‘Segura ele!’

Um rapaz, bem bonito por sinal, havia se espatifado no chão como uma jaca, bem na nossa frente. Começou um vuco vuco e muitos não sabiam se ajudavam ou tiravam uma casquinha do garoto que, a certa altura, estava fritando em público: não restava dúvida de que tinha exagerado nas drogas, estava frente a frente com o seu limite. A multidão abriu espaço, senti um feixe de luz forte no rosto e pessoas vestidas de branco foram se aproximando. Não, não eram anjos. Eram paramédicos.

Congelei aquela cena na minha memória e fiquei com o meu tico e teco imaginando o que nos leva a testar os limites do próprio corpo, desbravar as zonas de sombra que adoecem nossa mente aos poucos, encontrar diversas maneiras de fazer mal a nós mesmos abrindo algumas portas pra experimentar o máximo de coisas possíveis (drogas, sexo grupal, dominar, ser dominado, os fetiches que nunca param de surgir), fazer de tudo enquanto o Apocalipse não chega.

E qual é o nosso objetivo de vida? Qual o nosso papel nesse mundo?

Essas perguntas iam se repetindo como um eco na minha mente enquanto o rapaz se afastava, sendo arrastado pelos paramédicos. Uma cena horrível se você a presencia de cara limpa. Só estando muito chapado pra achar normal. É degradante (Dieta rigorosa – milhares gastos em suplementos - Horas na academia – festas – carnaval – drogas – sexo). Todo ano a mesma coisa, como se tivéssemos andando em círculo. E, pra quê?

De uns tempos pra cá virou rotina jovens perderam a vida para as drogas – bem na pista de dança.  Antigamente existia um certo pudor, olhares tortos, uma discriminação camuflada, o ‘Não vá andar com más companhias’ martelando no inconsciente. Mas hoje virou moda desafiar a imunidade, experimentar destas e mais daquelas (só os ricos usam? Quero duas!). Afinal somos meninos de ferro, ou meros fracassados?

‘Você viu fulano de tal... Morreu naquela festa.
Que absurdo, um garoto tão novo e bonito...’

É link pra cá, mensagens pra lá. Todos se ocupando com os fatos, compartilhando as dores como se fossem suas. Terminado o assunto todos prosseguem com suas vidas da mesma forma, bem no estilo “Isso não vai acontecer comigo”.

O bonitão da festa, que estava há poucos minutos entre a vida e a morte, ressurgiu das cinzas como uma fênix. Uma situação inédita. Estava mais lúcido do que nunca. Era impressionante como sua pele estava mais viçosa e seu corpo mais sarado com os gominhos gritando. Afinal, o show tem que continuar.

Embora o corpo dissesse que estava tudo nos conformes, a alma certamente estava perdida, confusa, sem o menor interesse de entender o que acabou de acontecer. Sendo, dia após dia, estimulada pela depressão e tendências suicidas. Sim, porque para ter uma overdose você não precisa almoçar e jantar drogas, uma simples experimentada e tchau! É o que você usa contra a capacidade do corpo de suportar naquela hora.

Não somos de ferro. Nosso físico é tão frágil que a maior parte das doenças é proveniente de uma infelicidade disfarçada por um sorriso largo, de uma postura bem sucedida escondida pelo cansaço de servir, de uma vida fabulosa que insistimos divulgar quando na verdade - não há nada de interessante.

É momento de vestir a armadura, matar os dragões da insegurança, derrotar os cavaleiros do mal que nos consomem com a carência, cravar a espada de uma vez por todas no monstro que assopra as tentações nos nossos ouvidos e, definitivamente, alimentar os leões que nos fazem bem. Precisamos buscar luz, paz interior, fortalecer o nosso espírito com o sublime.

Quando você está sozinho com você, seja lendo um livro, ouvindo uma música, admirando uma paisagem... Consegue ser feliz só com isso? Ou fica ansioso procurando por acontecimentos que possam justificar toda a sua existência?

Reeducação sentimental.

 Temos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser trabalhosa. Mas assim como a homeopatia, com pequenas doses diárias a gente conserta alguns problemas que se inauguraram na infância, ajusta alguns parafusos soltos que tornam a nossa mente num caos, dá um fim a esse vazio que nos faz trocar os pés pelas mãos e - se necessário for – façamos uma cirurgia na alma, porque um corpo sarado não deve definir o nosso destino.


Bruno de Abreu Rangel