Sobre jovens que estão perdendo a batalha para as drogas
e o sexo compulsivo.
Um corpo sarado não deve definir o nosso destino.
Não sou a Madre Teresa de Calcutá e tampouco
espero que pensem na minha reputação como um exemplo de vida. Sou apenas um
escritor que convive com o seu céu e inferno; que vez por outra tem
dificuldades pra dormir; que sente amor, ódio, ou, as duas coisas juntas e que
passa por altos e baixos (mas não é esse o maior barato da vida?). Escrevo e
escreverei para expor as percepções do meu amadurecimento, dar o testemunho da
forma mais realista possível e poder dialogar com o desconhecido.
Assim como
todos da minha geração, me considero um homem de ferro invencível, bem
resolvido, que anda disfarçado de super-herói pelas esquinas da vida, mas que
na intimidade não passa de um ser frágil sem saber direito que rumo seguir. Dentro
de mim, existem dois leões ferozes que se gladiam o tempo todo, um do bem e
outro do mal. Sabe qual vence a batalha?
Aquele que eu
alimento mais.
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Era uma
dessas festas que chegam a custar o nosso fígado de tão caras. Meio mundo
estava presente para ver e ser visto, como naquelas antigas festividades da
França medieval em que membros da Corte se encontravam no intuito de se
vangloriarem, serem cortejados, trocarem olhares, fecharem negócios,
casamentos. Mas como o mundo “evolui”,
os fraques e os vestidos pomposos foram pro espaço e todos ficaram descamisados
com os músculos à mostra, os títulos de nobreza foram trocados pelo CEP (Zona
Sul ou Zona Norte), os leques foram substituídos pelo “carão”, e os negócios...
Melhor eu prosseguir com o texto.
O fato é que
eu estava na companhia dos amigos curtindo a noite quando de repente...
‘Segura ele!’
Um rapaz, bem
bonito por sinal, havia se espatifado no chão como uma jaca, bem na nossa
frente. Começou um vuco vuco e muitos não sabiam se ajudavam ou tiravam uma
casquinha do garoto que, a certa altura, estava fritando em público: não
restava dúvida de que tinha exagerado nas drogas, estava frente a frente com o
seu limite. A multidão abriu espaço, senti um feixe de luz forte no rosto e
pessoas vestidas de branco foram se aproximando. Não, não eram anjos. Eram
paramédicos.
Congelei
aquela cena na minha memória e fiquei com o meu tico e teco imaginando o que
nos leva a testar os limites do próprio corpo, desbravar as zonas de sombra que
adoecem nossa mente aos poucos, encontrar diversas maneiras de fazer mal a nós
mesmos abrindo algumas portas pra experimentar o máximo de coisas possíveis
(drogas, sexo grupal, dominar, ser dominado, os fetiches que nunca param de
surgir), fazer de tudo enquanto o Apocalipse não chega.
E qual é o
nosso objetivo de vida? Qual o nosso papel nesse mundo?
Essas
perguntas iam se repetindo como um eco na minha mente enquanto o rapaz se
afastava, sendo arrastado pelos paramédicos. Uma cena horrível se você a
presencia de cara limpa. Só estando muito chapado pra achar normal. É
degradante (Dieta rigorosa – milhares gastos em suplementos - Horas na academia
– festas – carnaval – drogas – sexo). Todo ano a mesma coisa, como se
tivéssemos andando em círculo. E, pra quê?
De uns tempos
pra cá virou rotina jovens perderam a vida para as drogas – bem na pista de
dança. Antigamente existia um certo
pudor, olhares tortos, uma discriminação camuflada, o ‘Não vá andar com más
companhias’ martelando no inconsciente. Mas hoje virou moda desafiar a
imunidade, experimentar destas e mais daquelas (só os ricos usam? Quero duas!).
Afinal somos meninos de ferro, ou meros fracassados?
‘Você viu
fulano de tal... Morreu naquela festa.
Que absurdo,
um garoto tão novo e bonito...’
É link pra
cá, mensagens pra lá. Todos se ocupando com os fatos, compartilhando as dores
como se fossem suas. Terminado o assunto todos prosseguem com suas vidas da
mesma forma, bem no estilo “Isso não vai acontecer comigo”.
O bonitão da
festa, que estava há poucos minutos entre a vida e a morte, ressurgiu das
cinzas como uma fênix. Uma situação inédita. Estava mais lúcido do que nunca. Era
impressionante como sua pele estava mais viçosa e seu corpo mais sarado com os
gominhos gritando. Afinal, o show tem que continuar.
Embora o
corpo dissesse que estava tudo nos conformes, a alma certamente estava perdida,
confusa, sem o menor interesse de entender o que acabou de acontecer. Sendo, dia
após dia, estimulada pela depressão e tendências suicidas. Sim, porque para ter
uma overdose você não precisa almoçar e jantar drogas, uma simples
experimentada e tchau! É o que você usa contra a capacidade do corpo de
suportar naquela hora.
Não somos de
ferro. Nosso físico é tão frágil que a maior parte das doenças é proveniente de
uma infelicidade disfarçada por um sorriso largo, de uma postura bem sucedida
escondida pelo cansaço de servir, de uma vida fabulosa que insistimos divulgar
quando na verdade - não há nada de interessante.
É momento de
vestir a armadura, matar os dragões da insegurança, derrotar os cavaleiros do
mal que nos consomem com a carência, cravar a espada de uma vez por todas no
monstro que assopra as tentações nos nossos ouvidos e, definitivamente,
alimentar os leões que nos fazem bem. Precisamos buscar luz, paz interior,
fortalecer o nosso espírito com o sublime.
Quando você
está sozinho com você, seja lendo um livro, ouvindo uma música, admirando uma
paisagem... Consegue ser feliz só com isso? Ou fica ansioso procurando por
acontecimentos que possam justificar toda a sua existência?
Reeducação
sentimental.
Temos dificuldade de aceitar que a felicidade
pode ser trabalhosa. Mas assim como a homeopatia, com pequenas doses diárias a
gente conserta alguns problemas que se inauguraram na infância, ajusta alguns
parafusos soltos que tornam a nossa mente num caos, dá um fim a esse vazio que
nos faz trocar os pés pelas mãos e - se necessário for – façamos uma cirurgia
na alma, porque um corpo sarado não deve definir o nosso destino.
Bruno de Abreu Rangel