Selfie do dia
Não sei se escrever sobre isso me colocará
em maus lençóis ou me fará perder a moral. Confesso. Sou sim um grande adepto
desse fenômeno bastante curioso e revolucionário: o ato de tirar uma foto de si
mesmo e postar nas redes sociais. Mas o que está por trás disso? Somos todos
sozinhos ou estamos solitários?
Pra quem
ainda não sabe, um selfie não é uma
foto qualquer como aquelas que tirávamos há algum tempo e esperávamos ansiosos
pela revelação que vinha numa sacolinha acompanhada do negativo. Naquela época fazer
uma foto de si mesmo era um tiro no escuro, queima de cartucho. A tecnologia
não nos possibilitava esse risco e tal atitude nem pegava bem. Era pecado. Os
vaidosos eram odiados pelos bons costumes. E ninguém ousava pagar de maluco recebendo
feixe de luz de uma câmera Kodak na cara. Na melhor das hipóteses
quando tirávamos uma foto do nosso rosto, dias depois tínhamos em mãos as fotos
do nosso pé.
Mas nem precisamos ir muito longe, com as
câmeras digitais já ficou bem mais fácil. Era uma questão de encontrar um
ângulo certo e click-flash pra quantas fotos fossem necessárias. Depois de
muitas tentativas, tínhamos o trabalho de fazer uma reciclagem, descartar as
ruins, fazer o download no computador e deixá-las escondidas numa pasta qualquer
como uma poeira que jogamos pra baixo do tapete. Foto de si mesmo ainda era
considerado vaidade em excesso. Estávamos com a individualidade em fase de
amadurecimento.
O mundo
mudou. Os valores se inverteram. E quem ainda não baixou a versão atual da vida
moderna, ainda dá tempo.
Expor-se,
ainda que seja ao ridículo, está super em alta. Aparecer com uma melancia na cabeça,
também. É o último grito do mundo globalizado. Vale tudo, até selfie de casal depois da transa. Ganha,
quem aparecer mais, tiver mais seguidores, mais curtidas, mais coragem de dar a
cara pra bater.
Os smartphones e seus aplicativos nos
possibilitaram um selfie de verdade. Mas ainda é cedo pra dizer se estamos ou
não preparados para lidar com tanto avanço. As pessoas ainda não têm noção dos
perigos da Internet.
Um dia desses,
entrando num banco vi um sujeito fazendo um selfie
em frente ao caixa eletrônico. Podem rir, mas não queiram presenciar uma cena
dessas. Achei aquela exposição desnecessária, mas guardei essa observação pra
mim. E o mais interessante é que ninguém ficava chocado, na verdade não davam a
mínima. Hoje, cada um vive sua vida como quer, o que é bastante atrativo ao meu
ponto de vista. Mas nesse “Combo liberdade” que nos venderam, compramos a
individualidade, o egoísmo, o culto ao umbigo, nos empurraram a ideia do
desapego goela abaixo e pagamos com a solidão, ainda que em suaves prestações.
Estamos todos
conectados, mas espiritualmente off line.
Os selfies superaram a realidade. Tornaram-se
mais importantes do que o registro do homem na lua. Mais rápidos do que a
notícia de um jornal, mais práticos do que encontrar-se com uma pessoa e
descobrir que ela é cheia de defeitos, que não fica bem na foto o tempo todo, afinal,
somos todos humanos. A humanidade já se relaciona através de uma conexão Wi-fi, selfie to selfie – todos unidos
artificialmente nas redes sociais. O futuro já chegou e quem previa isso merece
uma estrelinha na testa.
O mundo de
hoje é para os que driblam a solidão, para os que convivem com a ideia de sexo
descartável sem tempo ruim pra ressaca moral, para os que trocam o ócio
criativo zapeando a tela do celular e “curtindo” a vida alheia. E o que estamos
curtindo de fato? Quem está em Paris em frente à Torre Eiffel, por exemplo,
está mais preocupado em postar um selfie do
que aproveitar a atmosfera francesa. Depois de trinta fotos da mesma posição em
que a diferença é visivelmente nula, passa-se por um filtro, posta-se no Instagram, compartilha-se no Facebook, joga-se no Twitter, muda-se a foto de perfil do Whatsapp e espera-se que as curtidas
comecem. É um desafio diário pra nossa autoestima. Quantas pessoas irão nos curtir,
nos seguir, deixar um comentário, quantos vão notar ou ter a impressão de que
nossa vida é badalada? Quantas pessoas irão perceber a nossa existência, que
merecemos aplausos, sermos amados e recebermos o elogio que nossos pais
economizaram?
Percebem o
rumo que estamos tomando? Postem um selfie e testem o seu poder artificial de
admiração. Mas vai um conselho: não levemos essa prática muito a sério.
Estejamos no mundo sim, mas sem fazer parte dele. Renato Russo já tinha
previsto, “A solidão é o mal do século”. Só sobrevive aquele que tiver a
inteligência emocional apurada.
Eu mesmo
tenho os meus lapsos de vaidade e até tiro sarro dessas situações nas redes
sociais com inúmeras fotos que insinuam um “Projeto verão 2014”, todas sem
camisa, com os músculos à mostra, pele bronzeada, mas diferente do que possa
parecer, não faço disso o meu projeto de vida. Faz bem sim pra autoestima, é
saudável, mas procuro me policiar pra que a minha mente acompanhe o meu corpo e
entenda que a qualquer momento passarei de garotão para um senhor de idade, sem
que nada disso me tire o brilho nos olhos.
A vaidade é
uma armadilha para a nossa essência. É importante entendermos que a tecnologia
fez o homem ir a Lua e o tornou incapaz de pisar dentro da própria alma. Hoje
tudo e todos estão isolados - até o Whey
Protein. Cada vez mais estamos nomeando os colegas de amigos e procurando
um porto seguro nos consultórios psiquiátricos, porque falar de sentimentos é
ser carente. E na sociedade egocêntrica de hoje, a carência é um mal tão temido
quanto um câncer.
Bruno de Abreu Rangel