terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sobre ter medo do escuro

Quando a nossa luz interior se apaga.


O fato aconteceu num vilarejo no interior do Peru: Ollantayatambo. Pelo nome vê-se que não é um dos lugares mais cobiçados do planeta. Mas como tudo fora do convencional, tem lá seus encantos. E autenticidade é algo que me atrai como um imã.

Era um desses dias de inverno e a estação tinha colorido as árvores de amarelo. A temperatura estava agradável, com um friozinho bem no ponto – nem mais, nem menos.  Eu e mais dois amigos, depois de longas caminhadas turísticas que se estenderam até o crepúsculo, tínhamos o objetivo de sairmos pra cumprir o ritual mais cobiçado pelos viajantes de plantão: jantar fora. Como esperado, o cochilo de um, o banho demorado de outro e as atualizações nas redes sociais nos levaram ao restaurante em cima da hora.

Saímos como loucos desvairados caminhando às pressas por uma estrada bem simples, com pouca iluminação, quase nenhum movimento, e com uma neblina que já intimidava.  É um cenário propício pra cair nas gargalhadas quando se está na companhia de bons amigos, de pessoas que nos fazem sorrir de graça e nos contaminam com o alto astral. Bom, isso até a segunda página.
Nos 45 do segundo tempo, quando já estávamos há cinco passos do restaurante...

... KABUM

Fez-se um barulho como se alguém tivesse desligado um disjuntor universal e a pequena cidade ficou completamente sem luz. Mas era breu mesmo, do tipo em que mal conseguimos nos mover. Só pra constar, atrás de nós estava um dos maiores templos incas suspirando um cenário de muita guerra, escravidão e com uma atmosfera densa. E então começaram as especulações sobre as almas perdidas, as chacotas sobre insetos peçonhentos subindo as pernas; o incômodo do Wi-Fi que não dava sinal de vida nos celulares; a decepção do jantar que, à certa altura, teria ido pro beleléu. Realmente é angustiante não enxergar nada, não avistar um horizonte, ou uma faísca de luz quando estamos no fundo do poço. Quando as luzes se apagam, nem tudo são flores. Somos nós e os nossos medos.

Com o medo do escuro, a gente não sai do lugar, resiste em tentar mais uma vez, não bate na porta de alguém que ferimos pra pedir desculpas, evitamos nos apaixonar de novo: frustação? Não, obrigado. Desistimos de ressuscitar os sonhos que morreram, deixamos a tristeza virar rotina e vamos lamber nossas feridas em silêncio como se tivéssemos racionando uma energia pra evitar um futuro apagão. Isso é auto boicote. Por não enfrentar a escuridão, a gente transforma um problema imaginário num monstro real, cria um pavor pelo desconhecido, reluta em mudar de vida, de emprego, de cidade... E se der errado? E se o dinheiro acabar, e se eu terminar doente, e se eu for abandonado por quem mais amo, é tanto “e se” que chega a encurralar qualquer otimismo na parede: 10 a 0 para o medo.

A hostess, que a certa altura desempenhava, também, o papel de garçonete e cozinheira, passou as chaves na porta do restaurante e nos saldou com um sorriso estonteante, revelado por um castiçal improvisado numa garrafa de vinho, que tão logo foi colocado na nossa mesa. Não tem cartão de crédito que pague um momento mágico desses. Não me lembro de ter degustado um ceviche tão saboroso como aquele feito numa iluminação fraca. Com a falta de luz a gente aprende que um jantar pode ser mais romântico, que os amigos ficam mais próximos, e as conversas mais íntimas.
Depois da escuridão, há luz. Depois da noite, vem o dia. E, por mais que associemos o escuro à maldição e o claro à benção, a paz de espírito é a verdadeira lanterna da alma. É a gente que decide os interruptores que vai acender, as esquinas que vai dobrar, as portas que vai abrir. Algumas vezes, optamos por caminhos mais sombrios, mas faz parte do nosso crescimento. Meia volta e #partiurecomeçar.

Quando ativamos a nossa própria luz nos fortalecemos para virar a página de uma história não correspondida, desistimos de pensar de maneira obsessiva em pessoas que insistem nos menosprezar, nos empregos que não vingaram, nos projetos que não saíram conforme o planejado; não nos preocupamos em estar sempre no controle de tudo, abrimos mão de viver a falsa felicidade das redes sociais. Entendemos que, nem sempre, as pessoas nos ferem de propósito, as coisas acontecem naturalmente. Deu errado, refaça, trace outra estratégia e defina, porque a indefinição só dispersa energia.  E a falta da energia apaga a nossa luz interior.

É preciso ativar a reserva de forças que adquirimos ao longo da nossa existência (nosso gerador pessoal). A vida está nos lugares que visitamos; nas pessoas que cruzam o nosso destino; no paladar de uma comidinha caseira que nenhum restaurante chique é capaz de reproduzir; nos amores que terminaram, mas que deram certo enquanto existiram; numa conchinha de um domingo chuvoso, num cafuné aconchegante dos nossos pais; num elogio que veio na hora certa trazendo a autoestima de volta; num “eu te amo” dito no pé do ouvido; num pequeno gesto de alguém que entrou para a lista de melhores amigos, ou num jantar a luz de velas no interior do Peru que o Universo se encarregou de nos surpreender.


Bruno de Abreu Rangel






quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Educados para roubar

Porque os brasileiros não se intimidam com a corrupção do governo.



Pouca coisa me tira do sério e uma delas é dizer que os brasileiros não têm educação. Mentira! Muito pelo contrário. Temos um jeitinho só nosso que herdamos de nossos ancestrais, fruto de gerações e gerações. É muita mistura de genes e culturas pra chegar à essa receita de bolo que, por sinal - dizem as más línguas - já passou do ponto.

Fomos educados para furar fila, dirigir em zigue zague sempre ultrapassando, fomos adestrados para cobrar mais caro por um produto ou serviço que fornecemos sem que esse valha um terço do que propomos. E eu poderia perder um dia citando exemplos que se amontoam:

É o flanelinha que te obriga a pagar um absurdo para estacionar o carro em local público; 

É o ambulante que dá o preço pela cara do freguês; 

É o suco de laranja de uma lanchonete que enchem de água e cobram preços estratosféricos; 

É o taxista que te dá voltas; 

É o seu patrão que não paga seus direitos trabalhistas e esfrega na sua cara que tem uma lancha em Búzios; 

É um funcionário público que prestou concurso com a finalidade de esticar as pernas (pessoas que querem o beneficiário, mas não querem o compromisso); 

É um sujeito que falsifica carteira de estudantes; 

É alguém que tira proveito de algo que deveria conquistar pelo próprio mérito.

E a culpa é dos políticos? Não faz o menor sentido.

Os que estão ocupando os assentos ociosos em Brasília são apenas os sortudos que chegaram onde todos gostariam de estar (recebendo salários exorbitantes pra trocar papel de gaveta). Chupa essa uva! Eles são apenas uma amostra fidedigna da população e simplesmente representam a base da pirâmide. Nós somos a estrutura desse sistema falho e fomos bem educados para que ele perdure. Seja qual for o partido que assumir o palanque presidencial, tudo se repetirá num ciclo interminável. Novos escândalos vão desenhar as capas dos tabloides, mais lavagem de dinheiro será esfregada na nossa cara, os impostos vão aumentar ainda mais e serão inversamente proporcionais aos serviços que nos serão prestados. E sabe o que vai acontecer?

N-A-D-A.

Vamos continuar conformados sem mover uma palha, com a mesma vidinha medíocre e, ainda que mamemos nas tetas do Governo, a vista da janela será sempre desenhada com uma paisagem de pobreza x riqueza. Vamos continuar celebrando carnaval, futebol, Zorra Total, mantendo sempre a convicção de que morar em comunidade é o máximo, que o rico da novela é sempre triste e que pobreza traz felicidade. Continuaremos na prática do dízimo, doando 10% do que suamos para construírem templos como o de Salomão com a inútil justificativa de ir viver no céu.

Seguiremos adiante lutando por uma vida que mal teremos tempo de viver. Tudo porque temos a educação mais simpática do mundo, sempre com um jeitinho pra tirar vantagem de alguém. E o que nos falta é empatia, que é se colocar no lugar do outro. Ao invés disso, preferimos viver na política da vantagem.

Os eleitores sempre reelegerão os partidos que os beneficiam sem sequer pensar no futuro da nação. Usarão seus votos de forma pessoal e egoísta, se esquecendo de que qualquer deslize econômico oriundo de uma má administração poderá aumentar de maneira drástica a criminalidade em decorrência da pobreza. E os males sociais vão respingar cada vez mais na vida dos “intocáveis”, que vivem enclausurados em condomínios de luxo, porque fora dali o mundo é perigoso demais. É praticamente uma viagem fora da Matrix.

A classe menos favorecida, apesar de pensar o contrário, infelizmente continuará da mesma forma e, ainda que recebam auxílios de programas sociais (um verdadeiro cala boca), vão continuar degustando a pobreza trocando um futuro promissor vendendo o voto por um quilo de carne e um Playstation da moda. E nada vai sair do lugar.

Nosso país será um pouco melhor quando ensinarem na escola que cartão de crédito é coisa séria e que bancos não perdoam dívidas. E que também não adianta ter as contas em dia se está em débito com a alma. Teremos um Brasil mais leve quando lecionarem sobre amor ao próximo sem que esse tenha alguma relação com dinheiro, porque pelo amor ao dinheiro filhos matam pais. Seremos melhores quando nos ensinarem a levar um NÃO sem que isso nos faça entrar em parafuso – muita gente andou matando essa aula. Quando nos mostrarem por A+B que vamos colher tudo o que plantamos e que ninguém deixa esse mundo sem pagar pelo que fez. Não é necessário estar no Planalto para ser um corrupto em potencial. Se você é estúpido com alguém, você está roubando a paz de espírito. E isso também é corrupção, e das grandes.

Nas redes sociais observo as pessoas se agredindo, se bloqueando, criando inimizades imperdoáveis por causa de política, quando na hora “H” a turma do PT vai dar as mãos à turma dos Tucanos e ficaremos todos a ver navios, empurrando a nossa vidinha de sempre com a barriga. Sempre foi assim, desde o início da nossa história quando Pedro Álvares Cabral pisou os pés aqui e roubou a dignidade dos índios. E acreditem – não vai ser o seu post do Facebook que mudará a opinião de alguém. O nosso direito termina quando o de alguém começa.

Acordemos, a mudança depende de cada um de nós. Como já dizia Geraldo Vandré “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora e não espera acontecer”. 



Bruno de Abreu Rangel


  




domingo, 12 de outubro de 2014

Cara ou Coroa

Algumas razões pra não namorar alguém com 
o dobro da sua idade.



Tom Ford (milionário e mais novo) com seu namorado Richard Buckley à esquerda


Você será sempre o assunto por onde passar. As pessoas vão comentar pelas costas, lançar olhares tortos e o que elas pensam sobre você deve ser sempre mais importante do que o seu sentimento. Afinal, todos têm que prestar contas para a sociedade.

Já foi comprovado que pessoas mais velhas são um fiasco na cama porque com o passar dos anos elas vão perdendo a experiência, e ainda não inventaram um remédio para disfunção erétil – então é tédio na certa.

Diferença de idade é um abismo numa relação. Pessoas jovens não conseguem se comunicar com pessoas mais velhas, então não existe a possibilidade de haver uma troca nem mesmo somar experiências de vida. Pense naquele professor coroa que você já teve: certamente não aprendeu nada com ele.

Os relacionamentos entre jovens e velhos não vingam porque já foi comprovado que pessoas da mesma faixa etária nunca se separam, e muito menos, traem.

Você pode correr o risco de postar uma foto na piscina do Fasano ao lado do seu “coroa” e vão te julgar – não por inveja – mas porque estão preocupadas com a sua segurança e bem estar, já que todos os velhinhos que se interessam por mais novos são safados e psicopatas.

Diferença de idade entre heterossexuais é razoável e tratando-se de homossexuais, é ainda mais tranquilo. As pessoas são super receptivas e sabem respeitar as diferenças. Elas só ficarão incomodadas pelo fato de que você pode se machucar numa relação nesses moldes. Mais uma vez: estão preocupadas com a sua felicidade.

Já foi dito por estudiosos que sinceridade, companheirismo e amor só são possíveis em casais com até cinco anos de diferença. Quem ultrapassar esse limite estará fadado ao fracasso porque sentimento é algo limitado.

O mundo não precisa de pessoas felizes, solidão é pra ser degustada como um bom vinho. Então se for necessário passar a vida sozinho, que assim seja. É muito mais conveniente do que tentar um relacionamento com alguém mais velho, que nunca será capaz de lhe trazer conforto espiritual ou, material.

Se você sente pela ausência da figura paterna, não vá chatear as pessoas com o dobro da sua idade se apaixonando por elas porque amor só funciona se for com alma gêmea, que quer dizer uma pessoa idêntica a você. Essa ideia de que um deve complementar o outro é papo pra boi dormir.

Reflita sobre os seus valores e pense no que foi escrito acima. Se você se incomoda com o relacionamento de outras pessoas ou com a diferença de idade, sexo e raça: quem precisa de ajuda é você.

Bruno de Abreu Rangel



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Porque os gays estão surtando.



              Falta da instituição família e rejeição social... Será?




Utilizo o metrô como meio de transporte desde sempre. Além de achar mais rápido, prático e seguro é uma fonte enriquecedora para as minhas inspirações, uma amostra do comportamento humano dentro de um vagão. Um entra e sai de gente de todo tipo que está se deslocando para o trabalho, para casa, ou pra algum lugar que vai distraí-lo da mesmice da vida.

Um fato interessante que me chamou atenção no meu último trajeto Centro-Ipanema foi uma conversa entre dois rapazes que confidenciavam sobre suas vidas em alto e bom tom, pra quem quisesse ouvir. Era como se tivessem ligado o “fod*-se” para a opinião alheia. Ponto pra eles e pra quem consegue levar a vida com esse desprendimento.

O maior barato do bate papo foi quando um deles disse que tinha sido expulso de casa por ter contado aos pais que era homossexual. O outro deu risadas e prosseguiu:

__Expulso de casa? Isso é tão anos oitenta. A senhora deve ter sido expulsa porque está surtando.

Algumas pessoas que estavam próximas riram juntas, inclusive eu. Senso de humor apurado é algo que me fascina. Pelo jeito que eles se comunicavam no feminino, sempre caçoando um do outro, deu pra perceber o grau de intimidade que eles tinham: uma amizade de longa data.

__Surtada eu, está louca? Quem gasta o salário todo aqui com festas é a senhora, tá meu bem? Defendeu-se contorcendo o corpo de forma que me fez lembrar a Vanessão (20 reais). Pra quem não conhece vale uma navegada pelo Youtube.

E então continuaram com o diálogo que, algumas vezes, chocava uma senhora que estava escorada na porta apertando um livro contra o peito, emitindo uns tsc tsc tsc, balançando a cabeça de forma negativa e esperando algum olhar de aprovação para formar a turma dos “eles não são como nós”, que pra sua infelicidade não aconteceu.

Conversa vai, conversa vem e o assunto fica sério. Como num estalar de dedos a verdade veio à tona:

__ Amiga, a senhora foi expulsa de casa porque não quer ajudar a família com as despesas e da noite para o dia me aparece no Facebook fazendo check in na Grécia. Como assim viado? Desde que a senhora descobriu o Stanazolol está pagando Mykonos, e agora se faz de bicha coitada abandonada pelos pais, pronto falei!

Não sei se tudo foi dito exatamente com essas palavras, mas resumi ao máximo que pude. Tudo o que eu me lembro é que ele realmente deu um baita choque de realidade no amigo.

É bem verdade que os nossos pais têm uma parcela de culpa quando decidimos abandonar o nosso lar pra vivermos a vida que julgamos merecer porque no fundo da nossa alma gostaríamos que fosse diferente, que eles nos apresentassem uma estrutura familiar onde ser gay tivesse o seu lugar na árvore genealógica sem que nos considerassem extraterrestres, doentes, frutos do demônio, da pomba gira e por aí vai uma infinidade de rótulos pra lá de amargos. A gente foge de casa como forma de autodefesa, negação e ausência de um horizonte. Mas tudo bem, não dá pra colocar toda a nossa infelicidade na conta dos outros.

Os pais perdem seus filhos para o mundo quando os assistem fazendo as malas para partir sem antes ter aquela conversinha bem simples “te aceito como você é”, com direito a beijinho na testa pra selar o amor incondicional que, nas entrelinhas, quer dizer: tamu junto!


 Todos os dias jovens desembarcam nos grandes centros como Rio e São Paulo para experimentarem o novo, para sentirem um ar de liberdade nos pulmões, pra baterem no peito “agora eu sou o dono da minha própria vida”, poder visitar camas diferentes e se apaixonarem por alguém do mesmo sexo sem que isso lhes custem a paz de espírito. O problema é que na bagagem trazem muita ilusão, projeções de carreiras na novela das oito, a falsa ideia de que será descoberto por um head hunter na fila do Bob’s, a ingenuidade de que vai construir um império num emprego que mal paga o aluguel, e de quebra ver a praia de Ipanema ou a estonteante Oscar Freire da janela do quarto. Quando a ficha cai, já se passaram anos de sonhos roubados.

Algumas pessoas vão ter sucesso no trabalho, outras no amor, poucas as que serão bem sucedidas nos dois quesitos, mas as que receberam uma educação com grandes valores terão o discernimento para ver a vida com olhos de águia, vão sobrevoar sob esse mar de ilusões. Vão estar no mundo sem ser do mundo. Quem já tiver essa receita que me mande por inbox.

Muitas gerações apodreceram sem ter o apoio da família, muitos gays foram assassinados e a maior parte viveu trancada no guarda roupas visitando os guetos, o mundo underground, batendo cartões em saunas, vivenciando o sexo proibido e voltando para a cama de suas esposas – tudo isso porque um dia lá atrás os pais decidiram não tocar no assunto “sexualidade”.

E os vistos como rebeldes perante a sociedade saíram em campo em busca de espaço assumindo a própria personalidade, levantando bandeiras nas paradas gays marcando território da mesma forma como fizeram os Bandeirantes com o Brasil. Aquela travesti ou a bicha velha barriguda que os próprios gays têm ojeriza foram as pessoas que, no passado, deram a cara pra bater vislumbrando uma sociedade mais justa e livre. Graças a eles a homossexualidade deixou de ser vista como um câncer, mas a luta ainda não terminou, existe uma linhagem de Cristãos que odeiam os gays. Cristão... Ódio... Louco isso, não? Façamos a nossa parte, oremos por eles.

Voltando para o vagão onde dois jovens desmiuçam o comportamento humano, é perceptível, pela conversa deles, que os gays continuam surtando porque estão sem o suporte da família que insiste em achar que bancar o filho longe de casa é o suficiente. Estão sem o apoio da sociedade que continua formatada nos padrões ultrapassados e, também, sem um modelo de vida pra se espelharem. Reinventar a vida é o máximo, mas até onde somos capazes de fazer isso sem perder a conexão com as outras pessoas, sem se sentir um peixe fora d’água?

As pessoas estão perdidas, sem um Norte, sem saber que direção tomar porque foram programadas para gostar do sexo oposto, casar-se com um padre no meio dizendo amém, tornar-se, pai, avô - dar continuidade ao que chamamos de seguir a cartilha – ou, fazer o dever de casa. Não se sentem merecedoras de amor e continuam repetindo os padrões das gerações anteriores. Ficam amargas, apontando a vida sexual do outro, julgando, competindo, lutando contra a própria genética para se sentirem um pouco mais atraentes e terem a atenção que foi economizada pelos pais.

 É duro ter que assumir, mas a vida gay se resume em apenas um curto período de tempo que vai dos 19 aos 29 anos. E se você se entupir de anabolizantes e tratamentos caríssimos, dá até pra estender um pouquinho mais. O problema é saber a hora de pendurar as chuteiras. Estamos todos com as pernas bambas temendo a nova fase como se fôssemos para a cadeira elétrica. Afinal, ser velho e gay... Credo! Nossa sociedade egocentrista não tem espaço pra esse tipo de gente. (ironia).

E então se prosseguem os surtos: circuitos de festas na Europa, roupas ainda mais justas, cabelos com cortes mais ousados, tudo pra parecer mais jovem, como resposta inconsciente do “eu quero ser o assunto”, vivendo a vida como adolescentes forever tentando fazer parte de uma “época” que não lhes pertence mais. O próprio grupo da nova geração rejeita a entrada deles: vaza. E, Ao invés de aproveitarem Mykonos, pagam micos, se expõem ao ridículo forçando a barra e, muitas vezes, se endividando em nome da vaidade só pra sair bem na foto. Estão todos mantendo a angústia da perseguição, sempre atrás de algo que não sabem explicar – e terminam sozinhos e insatisfeitos. Isso vale pra todo mundo, inclusive pra mim.  

Amadurecimento é sadio e faz parte. Construir uma família está na essência do ser humano, seja ele avô, tia, sobrinho, irmã, marido, esposa; criar um animal, ter dois pais, duas mães, ou uma mãe solteira que será a nossa guerreira... Ninguém tem o direito de interferir no amor que reina num lar.

Liberando ou não o casamento gay, as pessoas vão morar juntas assim mesmo, vão ser felizes e dar um tapa de luva na sociedade hipócrita que vive com seus relacionamentos assinados em papéis que embrulham o pão de amanhã. E para a nossa esperança, vai uma conscientização dos pais em instruírem seus filhos com valores que não precisam de firma reconhecida em cartório.



Bruno de Abreu Rangel


domingo, 14 de setembro de 2014

Como a gente reage quando leva um fora.


Seja um fora ou um pé na bunda, como lidamos com a rejeição?




   Essa semana fui ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro assistir à tão comentada Ópera Salomé, realmente digna de aplausos, com direito a muitos assovios seguidos de “bravo”. Mas não vou me estender muito pra não ficar chato e vou resumir a história da forma mais coloquial possível pra irmos direto ao ponto.

   Reza a lenda que Salomé era bem rodada e já tinha se deitado com homens de todos os tipos. Até aí tudo bem, quem não tem um “amiguinho” galinha que passa o rodo em geral e se acha o rei da cocada preta?  Sem nomes, por favor.

   O fato é que Salomé conheceu o profeta João Batista, um homem puro que, previsivelmente, a rejeitou. A dançarina, que tinha o poder da sedução à flor da pele, ficou tremendamente desnorteada: ‘Como assim, alguém não se entrega aos meus encantos?’.

   E então, ela tentou, tentou, tentou de novo e pah! Levou um baita pé na bunda. Não convivendo bem com a dor da rejeição, ela dançou para o rei, que se entregou aos seus jogos e se comprometeu a dar qualquer recompensa que ela quisesse, e sabem o que ela pediu? Quem se arrisca?

   Dou-lhe uma, dou-lhe duas...

  Pasmem! Ela pediu a cabeça de João Batista. Esse desfecho é o mesmo contado na história judaico-cristã – está na Bíblia.

   O que mais me intrigou no espetáculo foi quando, ao final, ela se despencou no chão de arrependimento por um amor doentio que não foi correspondido e citou as últimas palavras:

     “- O mistério do amor é maior que o mistério da morte”.

    Será mesmo?

   Todos os dias pessoas levam um NÃO, se desabam, morrem e voltam a viver, silenciosamente. Sentem-se como um lixo, marginalizadas pelo que chamam de amor. E carregam consigo uma amostra grátis da sensação de abandono. Quem não perde o chão quando valoriza muito algo ou alguém que acaba fugindo de nós? Vez por outra a gente se pega chorando e nem sempre cai lágrimas. Ficamos com o coração estraçalhado sem que ninguém perceba, mas seguimos com nossas vidas esperando que o tempo possa nos curar. Eu mesmo já passei por isso, e não foi na adolescência. 

   Não precisa bancar o valentão, nesse momento somos eu e você. Faça um mini flashback na sua vida e tente buscar na sua memória um momento em que você amou alguém que nunca soube da sua existência, ou, talvez, que você tenha se deitado por uma, ou duas vezes, e passou uma eternidade esperando que o telefone tocasse, convivendo diariamente com a dúvida, com a angústia que nos leva em direção ao abismo. E tem também, a pior de todas no meu entender, você viveu um romance de filme, se entregou de corpo e alma e, num estalar de dedos, se viu fazendo as malas para partir porque alguém decidiu que não te amava mais.  E o que fazemos quando isso acontece, o que somos capazes de fazer por falta de amor?

   Não há nada de novo debaixo do sol quando o assunto é rejeição. Somos todos crianças imaturas que não sabem lidar com uma resposta negativa.  Eu poderia passar uma tarde compartilhando casos de pessoas que ouviram um NÃO e deixaram essa frustração contaminar suas vidas; disseminando o mal; fazendo fofoca da vida alheia (Twitter pra quê, não é mesmo?) ou, então, terminaram o relacionamento de anos desejando que a pessoa com quem dividiram a maior intimidade se ferrasse – que doideira. Isso sim é pedir a cabeça numa bandeja, isso é inferno.

   O mundo está infestado de Salomés, de gente que vive preocupada com seu próprio prazer, que se acha irresistível, digna de capa de revista, com milhões de seguidores nas redes sociais e não acredita, sequer, nas voltas que a vida dá. E quando dão com a cara na porta de alguém, querem se vingar, fazer joguinhos, sair falando mal a torto e a direito pra justificar um problema mal resolvido com a própria autoestima. Briga de egos, ou, mimimi mesmo, pura infantilidade.

   É preciso aprender a interpretar os sinais pra não surtar e tornar-se numa pessoa amarga que sai por aí desacreditada num recomeço, se blindando e vivendo de farsas do tipo: eu sou o sorriso que posto no meu Facebook, enquanto por dentro está um caos. Levar um pé na bunda dói sim, não há como negar, mas paciência. O ideal é conviver com isso, dar risadas de si mesmo e jamais adicionar esse sentimento na sua lista de favoritos da alma. A vida é muito curta pra ficar ouvindo o mesmo disco, carregando um peso nos ombros de coisas que não são pra gente.  Levou um fora?

   Pule pra outra. E aprenda a compreender porque em algum momento será a sua vez de ser testado diante de alguém que estará do outro lado do balcão, lhe desejando como uma hiena faminta e despertando em você, zero interesse.  Falta empatia por toda parte, já presenciei pessoas em boate sendo enxotadas com um “Sai pra lá viado pobre” ou “rala sua mandada” bem no estilo Valesca Popozuda, podem rir, mas vamos combinar, é pesado. Quando fazem com a gente a história muda de figura. O pau come.

   De todos os foras e pés na bunda que já levei, aprendi que não dá pra sair por aí desperdiçando lágrimas com pessoas que não tem nada a ver com a gente. Precisamos encontrar alguém que enxergue a vida da mesma forma que nós. Em contrapartida, não dá pra usar as pessoas como step, ou meros peguetes sem esclarecer de fato as reais intenções. Nunca sabemos o que se passa na cabeça das pessoas. Então, pegação é pegação, namoro é namoro, casamento é casamento. Se a pessoa não entender, vale a pena desenhar. Seja lá qual for o seu grau de contato, brincar com o sentimento alheio é correr o risco de pedirem o seu coração – numa bandeja.

Bruno de Abreu Rangel



terça-feira, 5 de agosto de 2014

A culpa não é das estrelas, é do TINDER.




‘Sou gordo e baixinho e quero que as pessoas me aceitem como sou. Procuro por sarados e altos’.


      Há algumas semanas fui ao cinema assistir ao filme “A Culpa é das estrelas”. Realmente belíssimo, tocante, incrível, estupendo, audacioso, magnífico, digno de Oscar – bem do jeito que os críticos de jornais como o The New York Times gostam de citar em suas publicações.

      No cinema, toda a plateia aos prantos; narizes fungando como se uma epidemia de gripe se instalasse no local; os casais apertando suas mãos como se aquelas fossem as suas histórias (identidade com o telespectador é a palavra-chave para um roteirista de sucesso); e na tela, um romance entre dois jovens que tinham algo em comum: uma doença terminal. 

         Ficou bem claro na trama, que seja qual for o motivo, o que mantém uma pessoa ligada à outra é a afinidade, a interseção dos desejos, o “algo em comum”, ou o simplesmente “Estou nessa com você, O.K?”.  Mas será que a culpa é mesmo das estrelas? Será que todos teremos a oportunidade de estar no lugar certo e na hora certa quando o grande pretendente cruzar nosso caminho? 

      Dá pena do Cupido só de imaginar o trabalhão que ele terá pra casar todos os bilhões de habitantes na Terra. Finquemos os pés no chão, o Departamento de União das Almas Gêmeas não existe e, fatalmente - muitos viverão mais romances do que outros e alguns vão passar toda a existência sem sentir um friozinho na barriga. 

        Não é nada fácil encontrar a batida perfeita numa Era em que a Internet afasta os próximos e aproxima os distantes. E, talvez seja esse o motivo de as pessoas estarem entrando em parafuso, surtando emocionalmente. Estão carentes do contato físico, da casualidade de se esbarrar numa esquina, das possibilidades de tropeçar na rua e deixarem livros caírem e ter um cara gato recolhendo com um sorriso de “quero te ver novamente”. Acabaram-se os clichês, as situações ficaram mais práticas, as pessoas se formataram e foram se esconder atrás de um número de IP. Li em algum lugar, que talvez essa seja a última geração a ter contato físico. Batam na madeira, tomara que não. 

       Foi pensando nisso que algum sujeito criou o TINDER, um aplicativo que aproxima as pessoas através de um clique. E se tem casamento por vir... Talvez a culpa seja Dele e não mais das estrelas. É o Cupido sendo demitido na íntegra.

    Pra quem não sabe, esse é o aplicativo do momento. Você baixa no celular, cria um perfil e automaticamente tem todas as informações sincronizadas com o Facebook, o que diminiu - e muito - o número dos fakes e recalcados de plantão. No Tinder, as pessoas são mais comportadas, as fotos mais trabalhadas e todos estão passando sempre a falsa sensação de que são felizes e bem resolvidos. Os encontros... Ah, esses sim são perfeitos. Você visualiza um perfil que lhe interessa, curte e só terá acesso à pessoa se a mesma também lhe curtir. Só então estarão aptos para trocar mensagens e, quem sabe, até salivas e “coisitas” mais. 
 
       Mas vale lembrar que os princípios básicos de convivência social continuam os mesmos. Está sentado? Então segura essa:

‘Sou gordo e baixinho e quero que as pessoas me aceitem como sou. Procuro por sarados e altos’. 

       Ao baixar o Tinder, abaixe a hipocrisia. Ou a gente se aceita ou “partiu academia”.  Afinidade é e será sempre a cereja no bolo dos relacionamentos. Não atoa dois jovens com uma grave doença se aproximaram na trama “A culpa é das estrelas”, ambos estavam no mesmo barco e dispostos a enfrentar a maré juntos.  Não estou dizendo que pessoas diferentes não se complementem, mas que para seguir adiante numa vida a dois precisamos estar frente a frente, e sentir que dá pé, sem ser algo desconfortante como uma pedrinha no sapato.  Viver com alguém que lhe intimida, lhe causa insegurança ou tira a sua paz de espírito é burrice e perda de tempo.  Tudo bem que um bate papo com a própria autoestima de vez em quando ajuda a colocar os pingos nos iis e separar o joio do trigo; distinguir o que é recalque do que é neurose. Depois de ter isso bem definido, o jogo de sedução virtual do Tinder será apenas uma possibilidade e não mais a única solução.

     Outra coisa importante. Todas as pessoas são interesseiras sim. Ao menos no primeiro momento, estão todos à procura de um rosto bonito, um físico atraente, uma condição social favorável, uma conta bancária proporcional ao tamanho do pênis e, de quebra, alguém que esteja apto em manter um diálogo por mais de 30 minutos. Sempre foi assim e não é diferente no Tinder ou qualquer outro aplicativo de relacionamento. Se eu estiver dizendo alguma besteira que caia um raio sobre a minha cabeça.
  
     Agora, se ao encontrar um par compatível, a coisa vai vingar, isso já é outra história. Nem as estrelas, nem o Tinder e muito menos nós temos controle sobre as tramas do coração. Ainda não inventaram um aplicativo que lesse o nosso espírito e nos fornecesse o que de fato, alimenta a alma. Pra essa parte aí, é melhor apostar no contato interior com algo maior e mais forte do que nós.

Bruno de Abreu Rangel




sexta-feira, 27 de junho de 2014

De galho em galho



Quanto tempo duram os nossos relacionamentos?

        Um mês, seis meses, um ano, oito anos. Quiçá cinquenta. Para quem chegou ou está caminhando em direção à ultima opção, aqui vai a minha salva de palmas. Eu mesmo, o máximo que cheguei foram dois anos, seis meses, vinte e sete dias e oito horas. Mentira! Não sou tão metódico a esse ponto. Mas o tempo aproximado é bem por aí. Li em alguma revista de curiosidades, que relacionamentos gays são tão intensos que a contagem é a mesma dos cachorros, multiplica-se por sete. Será? Fica a dúvida no ar.
Era noite de Sexta feira. Quatro amigos; uma garrafa de cerveja; flashback dos anos noventa tocando ao fundo e baralhos nas mãos. Entre o vai e vem das cartas surge o assunto: Qual o tempo máximo vocês já namoraram?
Como se a carapuça tivesse servido perfeitamente em mim (vou levar duas, por favor), tive a impressão de que aquele questionamento fosse uma indireta e fiquei logo na defensiva, já que sair correndo não ia adiantar muito.
‘Perdi a batalha, melhor me contentar em vencer o buraco antes que me joguem nele’, pensei.
Dito e feito.
Mal começaram o jogo das especulações e já pediram que eu colocasse as cartas na mesa. Não as do baralho, mas as da vida real. Isso, de imediato, me fez lembrar de um incidente com uma colega de trabalho em que, no auge de um desentendimento, deixou escapulir:
- Por isso ninguém te aguenta, não dura em nenhum relacionamento, você é muito difícil de lidar. Precisa rever seus conceitos e parar de ficar pulando de galho em galho.
Pequenas verdades que as pessoas dizem sem ter noção do estrago que fazem no nosso mundo íntimo. Fazemos cara de blefe, fingimos que não é com a gente para não demonstrarmos fragilidade como num jogo, dizemos qualquer besteira para não perdemos a oportunidade da última palavra, quando na verdade levamos uma dúvida a mais para o nosso travesseiro – mais um buraco na alma.
Por ironia do destino, ainda que em nenhum momento eu tivesse lhe desejado mal, soube que o casamento dela não foi pra frente. Estaríamos então no mesmo barco? Fazemos parte do mesmo jogo da vida? Porque os relacionamentos não duram?
Voltando para a mesa com os amigos, o meu parceiro de jogo decidiu compartilhar a sua experiência. Disse que nunca consegue passar mais de um ano com a mesma pessoa, como se aquele fosse o tempo máximo determinado pelo seu inconsciente. Contou-nos, entre risadas, que certa vez teve um romance eletrizante de quinze dias em que planejaram uma viagem para Tailândia e, antes mesmo de quitar as prestações, recebeu um “pé na bunda” via Whatsapp. Simples assim, sem chances do Tête à tête. Senti uma admiração enorme por ele. Apesar de não ter tido muita sorte com esse lance de amor, tinha senso de humor e coragem para assumir os seus fracassos sem blefar, sem a arrogância de se esconder atrás das cartas e falar com o peito cheio: eu quem terminei o namoro e blá blá blá. Essas mentiras que as pessoas contam pra elas mesmas.
Enquanto o assunto rolava, um jogador da dupla adversária ia baixando as cartas até terminar a sequência com um rei. Coincidência ou não, a sua história parecia um conto de fadas, com direito a castelos, reis e rainhas, ou, reis com reis. Seus namoros sempre foram longos e está firme com o atual há quase seis. Apesar dos trancos e barrancos, de matar um leão por dia e driblar a insegurança conjugal, é uma prova fidedigna de que sim, dá pra viver uma vida a dois nos dias de hoje independente da sua sexualidade. É preciso que os dois lados queiram muito. Se fossem cachorros teriam 42 anos de casamento e... Bodas de Prata Dourada pra eles! Palmas, por favor.
Pra minha surpresa o seu parceiro de buraco era o oposto, não se apaixonava há tanto tempo que dava pra notar um olhar vago, com pouco brilho e um discurso decorado do tipo “Estou muito bem sozinho, obrigado”, e já foi mudando de assunto:
- Mas e a Copa? Vai ter Hexa ou não?
Envelhecer sozinho, solidão, morte é algo que amedronta qualquer um, ou então eu exagerei no vinho enquanto escrevia esse artigo.
Existe uma passagem de Arnaldo Jabour que ilustra bem esse tema:
Sempre acho que namoro, casamento, romance, tem começo, meio e fim. Como tudo na vida.

Detesto quando escuto aquela conversa:
- Ah, terminei o namoro...
- Nossa, estavam juntos há tanto tempo...
- Cinco anos.... que pena... acabou...
- é... não deu certo...

Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.”
É bem verdade. Tive muitos romances, “pegações”, alguns equívocos, mas também grandes amores que me tiram um sorriso no canto da boca quando me recordo. E todos eles contribuíram para eu ser quem sou hoje. Sendo uma pessoa difícil ou não, é de galho em galho que criamos a nossa história, damos vida ao personagem que muda de acordo com os acontecimentos, isso é amadurecimento.
Um dos grandes amores da minha vida já cuspiu um monte de verdades na minha cara. Brigamos, nos perdoamos, brigamos de novo até que decidimos separar as escovas de dente, definitivamente e nos tornamos amigos. Estamos juntos há quase dez anos: deu certo! A intimidade e a cumplicidade que se cria num relacionamento não é algo que se descarta no lixo, mas se recicla e se transforma.
Quando eu ainda trabalhava no Copacabana Palace, um casal de milionários comemorava seus trinta anos de casamento e, num diálogo pouco informal que travávamos, tive a audácia de perguntar o segredo de estarem tanto tempo juntos e a esposa respondeu prontamente entre goles de champanhe: viajar, ir pra um lugar paradisíaco, fugir da rotina, respirar novos ares, vivenciar novas histórias, nossa mente precisa desse descanso pra recomeçar. Faz sentido, mas como ela explicaria o fato do porteiro do meu prédio ser casado há mais de quarenta sem ter um tostão para ir à esquina, se quer? Cada um encontra o seu segredo para seguir adiante.
Se eu não for capaz de manter um relacionamento por quarenta anos, desejo que, de cada galho que eu passar, possa cultivar uma amizade e me tornar um velhinho rodeados de pessoas queridas que vão me acompanhar nos jogos de damas numa pracinha pacata, trocar figurinhas sobre remédios, ou estar num momento como esse: jogando cartas na mesa – isso já me quebraria um galhão. 

Bruno de Abreu Rangel