Quando a nossa luz
interior se apaga.
O fato aconteceu num vilarejo no interior do Peru:
Ollantayatambo. Pelo nome vê-se que não é um dos lugares mais cobiçados do
planeta. Mas como tudo fora do convencional, tem lá seus encantos. E
autenticidade é algo que me atrai como um imã.
Era um desses dias de inverno e a estação tinha colorido
as árvores de amarelo. A temperatura estava agradável, com um friozinho bem no
ponto – nem mais, nem menos. Eu e mais
dois amigos, depois de longas caminhadas turísticas que se estenderam até o
crepúsculo, tínhamos o objetivo de sairmos pra cumprir o ritual mais cobiçado
pelos viajantes de plantão: jantar fora. Como esperado, o cochilo de um, o
banho demorado de outro e as atualizações nas redes sociais nos levaram ao
restaurante em cima da hora.
Saímos como loucos desvairados caminhando às pressas por
uma estrada bem simples, com pouca iluminação, quase nenhum movimento, e com uma
neblina que já intimidava. É um cenário
propício pra cair nas gargalhadas quando se está na companhia de bons amigos,
de pessoas que nos fazem sorrir de graça e nos contaminam com o alto astral. Bom,
isso até a segunda página.
Nos 45 do segundo tempo, quando já estávamos há cinco
passos do restaurante...
... KABUM
Fez-se um barulho como se alguém tivesse desligado um
disjuntor universal e a pequena cidade ficou completamente sem luz. Mas era
breu mesmo, do tipo em que mal conseguimos nos mover. Só pra constar, atrás de
nós estava um dos maiores templos incas suspirando um cenário de muita guerra,
escravidão e com uma atmosfera densa. E então começaram as especulações sobre
as almas perdidas, as chacotas sobre insetos peçonhentos subindo as pernas; o incômodo
do Wi-Fi que não dava sinal de vida nos celulares; a decepção do jantar que, à
certa altura, teria ido pro beleléu. Realmente é angustiante não enxergar nada,
não avistar um horizonte, ou uma faísca de luz quando estamos no fundo do poço.
Quando as luzes se apagam, nem tudo são flores. Somos nós e os nossos medos.
Com o medo do escuro, a gente não sai do lugar, resiste em
tentar mais uma vez, não bate na porta de alguém que ferimos pra pedir
desculpas, evitamos nos apaixonar de novo: frustação? Não, obrigado. Desistimos
de ressuscitar os sonhos que morreram, deixamos a tristeza virar rotina e vamos
lamber nossas feridas em silêncio como se tivéssemos racionando uma energia pra
evitar um futuro apagão. Isso é auto boicote. Por não enfrentar a escuridão, a
gente transforma um problema imaginário num monstro real, cria um pavor pelo
desconhecido, reluta em mudar de vida, de emprego, de cidade... E se der
errado? E se o dinheiro acabar, e se eu terminar doente, e se eu for abandonado
por quem mais amo, é tanto “e se” que chega a encurralar qualquer otimismo na
parede: 10 a 0 para o medo.
A hostess, que a certa altura desempenhava, também, o
papel de garçonete e cozinheira, passou as chaves na porta do restaurante e nos
saldou com um sorriso estonteante, revelado por um castiçal improvisado numa
garrafa de vinho, que tão logo foi colocado na nossa mesa. Não tem cartão de
crédito que pague um momento mágico desses. Não me lembro de ter degustado um
ceviche tão saboroso como aquele feito numa iluminação fraca. Com a falta de
luz a gente aprende que um jantar pode ser mais romântico, que os amigos ficam
mais próximos, e as conversas mais íntimas.
Depois da escuridão, há luz. Depois da noite, vem o dia. E,
por mais que associemos o escuro à maldição e o claro à benção, a paz de
espírito é a verdadeira lanterna da alma. É a gente que decide os interruptores
que vai acender, as esquinas que vai dobrar, as portas que vai abrir. Algumas
vezes, optamos por caminhos mais sombrios, mas faz parte do nosso crescimento.
Meia volta e #partiurecomeçar.
Quando ativamos a nossa própria luz nos fortalecemos para virar
a página de uma história não correspondida, desistimos de pensar de maneira
obsessiva em pessoas que insistem nos menosprezar, nos empregos que não
vingaram, nos projetos que não saíram conforme o planejado; não nos preocupamos
em estar sempre no controle de tudo, abrimos mão de viver a falsa felicidade
das redes sociais. Entendemos que, nem sempre, as pessoas nos ferem de
propósito, as coisas acontecem naturalmente. Deu errado, refaça, trace outra
estratégia e defina, porque a indefinição só dispersa energia. E a falta da energia apaga a nossa luz
interior.
É preciso ativar a reserva de forças que adquirimos ao
longo da nossa existência (nosso gerador pessoal). A vida está nos lugares que
visitamos; nas pessoas que cruzam o nosso destino; no paladar de uma comidinha
caseira que nenhum restaurante chique é capaz de reproduzir; nos amores que
terminaram, mas que deram certo enquanto existiram; numa conchinha de um
domingo chuvoso, num cafuné aconchegante dos nossos pais; num elogio que veio
na hora certa trazendo a autoestima de volta; num “eu te amo” dito no pé do
ouvido; num pequeno gesto de alguém que entrou para a lista de melhores amigos,
ou num jantar a luz de velas no interior do Peru que o Universo se encarregou
de nos surpreender.
Bruno de Abreu Rangel