terça-feira, 20 de setembro de 2016

O amor acontece quando a gente fica mais tempo do que deveria


Pessoas vão e vêm – o tempo todo. Divórcio hoje em dia ficou mais fácil do que baixar música. A vida está tão cheia de possibilidades que nos dá a impressão de que as pessoas ficaram inconsistentes, os sentimentos ficaram líquidos, tudo escorre pelo ralo. Há paixões para sempre e paixões que duram uma chuva. O que vale no final das contas, é a vontade de ficar um pouco mais, todos os dias.

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Ana e Pedro se encontraram casualmente depois de alguns anos. Ela foi pega de surpresa num daqueles dias de distração: estava totalmente desconfigurada, vestindo trapos, com os cabelos para cima, quase uma mendiga. Ele todo bonitão, pele bronzeada, terno de marca, parecia ter saído de um comercial de margarina, no entanto a sua cabecinha estava uma bagunça e o rapaz parecia um sem-teto emocional perdido no mundo, sem saber o que fazer - mendigando companhia.

Os dois decidiram tomar um chope improvisado num bar nada a ver e de repente estavam sendo convidados a se retirarem, simples assim. Todas as cadeiras estavam para cima, o chão estava sendo varrido e a porta praticamente se fechando. Haviam se passado seis horas de papo e eles nem se deram conta. Rolou a saideira, depois rolou aquela lambeção que os adultos fazem entre quatro paredes, rolou bebê e rolou beijo de bom dia todas as manhãs quando acordavam juntos e seus olhos se encontravam: ‘Como você me faz feliz’.

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João Victor e Isabelle estavam naquela fase do pega pra capar. Viviam ocupando a mente com festas, bebidas, drogas, encontros e desencontros; se apaixonando pelas pessoas erradas e colocando o coração numa guilhotina.

Marcaram um encontro num desses aplicativos de furnicação e depois do segundo toc toc, a porta se abriu... foi aquele alívio: um encontro de almas. Aquele sorriso bobo, impossível de disfarçar. E então bateu a tal química intelectual em que você pode falar sobre tudo, ou ficar em silêncio, que se sente à vontade. Preste atenção nos sinais. Se ambos querem ficar quando é hora de partir, você está vivendo um momento mágico. ‘Dorme aqui hoje, está chovendo. Amanhã você vai’.

 Já se passaram quatro anos.

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As pessoas têm pavor do ‘fica comigo’, também têm receio do ‘não te quero mais’, medo disso, daquilo. Dúvidas e mais dúvidas sobre algo que nem aconteceu, e quando decidem encontrar-se com alguém estão armadas até os dentes porque querem um amor que sirva para a cama, mesa e banho. Não conseguem relaxar porque não estão preparadas para ficar um pouco mais.

Melhor encontro é aquele quando a conversa é fácil, quando no dia seguinte é o primeiro pensamento logo pela manhã. É quando alguém fica com os olhinhos brilhando quando te avista de longe: ele voltou.

O casamento enfraquece o sexo sim, os dias passando levam todas as novidades, vai faltar vontade, assunto, vai faltar tudo, mas enquanto houver interesse, afeto, admiração, ou qualquer coisa que te bote um sorriso no rosto, talvez seja hora de ficar um pouco mais.

Bruno de Abreu Rangel

A ditadura parça-brother


“Boca de forno.
Forno.
O que o mestre mandar.
Faremos todos.
E se não fizer...
Tomaremos bolo”

‘Eu quero que todos fiquem sarados, subam a pedra da Gávea e façam pose de macho malvado sem camisa, com frase de superação. ’

E de repente, é tudo o que se vê: uma enxurrada de fotos bem pensadas, com ângulos super elaborados, um sol praticamente ensaiado; uma turma em que n-i-n-g-u-é-m está fora de forma, todos bem seguros de si mesmos, não sofrem de problemas financeiros e fecham parceria: o mundo encantado de Brotherhood.

É preciso encher a cara de cachaça para escrever sobre esse assunto, mas antes quero falar sobre um incidente.

Aconteceu no Leblon:

Num magnífico Domingo de sol, com o calçadão superlotado de pessoas felizes que iam e vinham, bem naquele esquema novela das oito, um garoto bem magrinho e de aparência simples, tentava equilibrar-se nas traiçoeiras rodas de um roller até que, para a sua infelicidade, deu de frente com um brother machão e os dois foram parar no asfalto:

‘Coe viadinho, se não sabe andar com essa porcaria fica na sua área’.

 Assustado com o tom de desaprovação do rapaz trabalhado nos esteroides, o garoto se levantava com dificuldades enquanto pedia desculpas com a voz falhando. É o tipo de cena que você prefere morrer para não ter que presenciar. A palavra respeito já está cheirando a mofo.

Parte da ideologia dos parça-brother é diminuir todos que são diferentes deles usando a intimidação, imposição, constrangimento – violência psicológica. E é atacando a autoestima dos demais que eles fortalecem o próprio regime ditatorial.

´Nossa, banho quente? Coisa de menina´
´Não vou nesse tipo de boate, sou macho rapá´
´Que camisa é essa, parece uma bichinha´
´É amigo daquele sujeito que fala fino? Não serve para ser nosso amigo...´

Os parça-brothers são matéria de estudo, daria para lotar congressos em Harvard só para decifrar o que se passa na mente dessa espécie que se camufla entre os heterossexuais e que teme ter a própria identidade desvendada (pessoas que supostamente seriam bem mais interessantes se fossem elas mesmas). Qualquer traço ou conduta arco-íris é motivo para serem banidos de suas comunidades. Existem regras a serem seguidas, você precisa decidir entre tomar cerveja em copo de geleia num bar com os parça-fechamento, ou ir ao show da Anitta numa boate badalada – não pode ter as duas coisas. E segundo eles, apenas a segunda opção lhe torna gay, ainda que você goste de meninos.

Voltando para a história do Leblon, um certo tumulto tinha se instalado, lógico, o povo adora um barraco. Um senhor, que andava arrastando os pés, aproximou-se questionando o episódio ao menino do roller, que disparou:

_ Moço, eu já pedi desculpas para o seu filho, foi sem querer. Ainda estou aprendendo a andar...

_ Ele não é meu filho, é meu namorado!!!

De repente o tempo fechou. O bombadão que quase se passou por um hétero machão tinha sido desmascarado na frente de todos à luz do dia, com o sol do Leblon à pino. Pela sua feição ele queria enfiar a cabeça do senhorzinho no asfalto. Mas quem iria bancar os suplementos, as viagens, o apartamento no metro quadrado mais caro do país?

Namorar alguém com o dobro da idade, seja por amor, ou interesse não está em pauta e nem é da minha conta, mas alguns se esquecem dos caminhos que trilharam e são intolerantes com os que cruzam os seus caminhos.

Ficou muito claro o porquê daquele brother tratar mal alguém tão frágil e que estava circulando pela “sua área”. O menino do roller estava tendo a audácia de ser ele mesmo sem ter que pagar nenhum preço por isso. Se alguém precisa fazer um show para provar que é macho, ele já não é macho.

Níveis excessivos de insegurança fazem com que as pessoas se percam delas mesmas. Se o indivíduo já foi casado com mulher, se já teve filhos, ou circulou na vida “politicamente correta”, deve ser homem o suficiente para aceitar que nem todos foram covardes. Muitos bateram no peito e enfrentaram o mundo para viver a vida que desejaram - caindo e se levantando - com, ou sem roller. Isso é felicidade!


Bruno de Abreu Rangel

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Os surtados do Hornet


Tem maluco dando vexame nos aplicativos de pegação



Que pegação de rua já caiu em desuso, todo mundo já sabe: a moda agora é pagar de doido num desses aplicativos de “relacionamento”. Está duvidando? Baixe o Hornet, por exemplo, crie um perfil bacanésimo que não tenha nada a ver com você (que é o que todo mundo faz), invente um personagem surreal com uma história impossível de sustentar e...

 ...catapoft.

Você vai cair de paraquedas num terreno de gente rasa, sem noção e que está ali esperando uma oportunidade para fazer você perder o seu tempo, atrasar a sua vida, ou te expor nas redes sociais: o famoso print screen de tela. Permitam-me assumir, se fosse apenas oba-oba, sexo por sexo, a galera toda fazendo bundalelê e paixonites de fim de semana, ainda estava valendo – mas não, tudo o que se vê é um apanhado de seres que precisam urgentemente de Gardenal:

O psicótico possessivo: é super compreensível ficar desorientado depois de conhecer alguém que tenha o rosto no lugar, o corpo em dia, que seja interessante e tenha nos proporcionado uma surra de cama (dá um frio na espinha só de pensar), mas daí achar que vai rolar casamento logo em seguida... é loucura demais, e das grandes. Esse tipo de pessoa entra numa vibe tão errada que começa a sufocar um peguete sem antes saber o sobrenome do indivíduo e, quando consegue um segundo encontro, já chega mandando logo uma DR (discutir relação). Se o remedinho controlado dele acabou a culpa não é sua. Não entre nesse jogo, ponha o perturbado da cabeça para correr enquanto há tempo:

‘Coleguinha, volta 3 casas? O que aconteceu com a gente? Relacionamento de 15 anos’?

O esquizofrênico de Ipanema: esse tópico já daria um outro texto gi-gan-te, mas irei resumir, rapidinho. Esse é aquele psicogato clichê, malhado, bonitão, requintado, de movimentos leves, cheio da grana, que sabe o que quer da vida, tem objetivos bem traçados, uma pessoa com a cabecinha no lugar (fico gargalhando uma tarde só de escrever essas linhas). Pois então, esse louco que bate palmas para o pôr do sol em Ipanema fica de plantão em frente ao espelho batendo palmas para si mesmo, e quando se cansa – isso sempre acontece – entra num desses aplicativos como o Hornet para conseguir plateia e saciar o ego, fica lá fissurado atrás de novidades, trocando mais salivas do que palavras, agoniado pra sentir algo diferente, nem que seja arrependimento. Tratamento? Semancol gotas, o elixir do verão.

Gente boa sequelado: sujeitinho disfarçado de maluco beleza, puxa saco das pseudo celebridades do Instagram, finge ser amigo com uma facilidade de dar inveja, comunicativo que só ele. Está sempre com um assunto novo para jogar na roda e seu maior objetivo é tirar risadas de todos, custe o que custar. O que poucos sabem é que esse fofo inofensivo e desocupado é um stalker de carteirinha, quase um detetive profissional, que fica disfarçado nesses aplicativos esperando o “descuido” de alguém com o intuito de explanar a intimidade alheia para Deus e o mundo. Entenderam como esse surtado sobrevive? O transtorno mental é tão complexo que seria preciso uma equipe de especialistas para ajudar uma pessoa dessas a tomar conta da própria vida e receber a atenção que foi negada lá nos tempos de creche.

O mentiroso patológico: a falta de bom senso é pop e está em alta. A criatura tem quarenta e lá vai pedrada e comete a deselegância de dizer no perfil que tem 29, oi? Tudo bem, autoestima é fundamental, mas não seria melhor deixar a outra pessoa tirar essa conclusão? Nessa teia de mentiras, manipulam-se informações dos pés à cabeça, desde à altura ao tamanho dos apetrechos. Pintam uma imagem de Brad Pitt e na hora H tem-se uma nítida impressão de que o maluco fez um intensivo de Inês Brasil. O desenrolar dessa insanidade toda fica nesses moldes: o pretendente, para não perder a viagem, acaba dando uma rapidinha e corre como um doido pra bem longe, e ainda jura de pé junto que nunca saiu com o “quarentão com rostinho de 29”. Mentira sendo paga com mentira.

O Hornet, dentre muitos outros, é certamente uma experiência social, antropológica, um açougue a céu aberto onde todos querem degustar a carne e virar os olhinhos, até aí tudo bem. A questão é que barriga sarada virou entidade, sexo só serve se for daqueles de dar pirueta, Rivotril agora é camomila, as drogas transformaram pessoas e pessoas se transformaram em drogas, as curtidas vieram para resumir os diálogos e poupar tempo; e o lindo para casar de hoje – é o ninguém de amanhã.

O que vai acontecer com os relacionamentos do futuro? Essa é a pergunta de dois milhões de dólares. Enquanto isso, vou cuidar da minha cabeça, porque do corpo e da nossa vida – tomo mundo já cuida.

Bruno de Abreu Rangel