quinta-feira, 12 de março de 2015

50 tons de qualquer cor

Escravizados pelo sexo


Do que somos capazes pela falta do amor?

Compulsão sexual é um assunto sério. É doença e tem tratamento. Pode acontecer comigo, com você, e até com aquela pessoa mais meiga do escritório que ninguém dá nada por ela (somos mistérios pra nós mesmos). Eu precisaria estudar anos de psicologia para me aprofundar no tema e, por esse motivo, não bancarei o sabichão que tem respostas pra tudo na ponta da língua. A minha abordagem será mais simples, com foco nos nossos pequenos hábitos que se repetem e que podem nos tornar num monstro com infinitos tons de descontrole emocional.

A nossa cama diz muito sobre a gente.

Tudo começa de forma bem inofensiva. Umas curtidas nos “modeletes” do Instagram, um videozinho pornô que a gente assiste pra se aliviar, um rapaz que cruza conosco na rua e deixa o Whatsapp, mais curtidas, mais vídeos, uma agenda que, a certa altura, já está abarrotada de pessoas identificadas por códigos... E quando a gente se dá conta está imerso num mundo tão vazio e pequeno que cabe dentro de um aplicativo de “pegação”.

A linha que divide uma pessoa sexualmente ativa de um compulsivo é bastante tênue, apesar de que não dá pra confundir uma coisa a outra. Transar todos os dias não significa que somos ninfomaníacos. Um casal que bate cartão na cama diariamente está amplamente saudável, ajustado na sua plenitude.

A história começa a desandar quando uma só pessoa deixa de ser suficiente. Daí inicia-se aquele filme que todos já devem ter assistido: um namoradinho fixo para os fins de semana, o contato de um plano B pra dar umas fugidinhas de vez em quando, o carinha da academia que é um tesão e você não pode deixar passar, mais uma proposta de alguém que surge do Whatsapp, e que você não via há tempos. ‘Só mais esse’.

Um pequeno intervalo.

 ‘Olha só aquele surfistinha, está me dando mole...’ E bye bye praia com os amigos. Sem perceber, a pessoa fica escravizada por uma descarga de adrenalina que vem com gostinho do proibido, com desejo incontrolável por aventura, por novidade e é preciso se satisfazer a qualquer custo. Num mundo em que tudo nos é lícito, que mal tem ficar com quem nos atrai?

Um milhão de desculpas passam pela cabeça de quem está dominado pelo sexo fácil: é um atestado médico daqui (Hoje não estou na vibe de trabalhar!); uma coleção de mensagens não atendidas enquanto está na “caverna” se ocupando com a masturbação; os amigos que vão para o segundo plano, a visita de praxe à família que fica pra escanteio ‘Não, mãe, está tudo bem, vou desligar, beijos’.  

Como qualquer adicto leva-se muito tempo pra perceber os caminhos tortuosos que está trilhando. A pessoa acha que está no controle da situação, que será capaz de conter os impulsos sexuais, que já conseguiu experimentar o maior dos fetiches (ménage à trois, sexo grupal, sadomasoquismo, adicionar entorpecentes associando drogas ao prazer) e quando menos espera, está pensando no próximo da lista: bora pra real?

E o que há de real nisso? Superficialidade e ressaca moral.

É o que sobra quando vamos para o banho com a ilusão de que estamos eliminando o nosso ato sujo, sem ter ideia de que as impurezas ficam impregnadas no espírito, adormecendo a paz lentamente e despertando cada vez mais o instinto selvagem de caça. E nessa perturbação emocional, trocam-se telefones, salivas, energias. Perdemos um pouco do nosso coração, da esperança de encontrar alguém bacana, ou destruímos uma relação incrível que temos, jogando o amor para o final da lista: ‘estou muito feliz solteiro, obrigado’.

Mentira deslavada.

 Quantos sonhos não se perdem, quantas relações são desfeitas, quantas amizades se destroem porque a gente prefere viver a vida “desbloqueados”, livres pra qualquer chip, prefere se agarrar aos lençóis, se relacionar com a própria vontade, morder os lábios, as fronhas, segurar alguém pelo pescoço, nunca pelos sentimentos. E o que vem depois disso?

Na falta do amor, a ansiedade surge sem pedir licença e nos atormenta com a ideia de que precisamos preencher algumas lacunas. Do contrário, o mundo vem abaixo. Cada um de nós sabe o descontrole emocional que esconde a sete, ou, cinquenta chaves. Pode ser o excesso de doces que nos acalma; a vontade incontrolável de gastar, comprar coisas que não precisamos; a necessidade de ir à academia três vezes ao dia; ter que trabalhar mais do que o normal pra se esconder da vida que nada acontece; o exagero de afetos que sufoca, porque não suportamos conviver com a solidão; o vício por games, remédios, drogas, sexo e uma lista infindável que se amontoa.

Christian Grey de “50 tons de cinza” ficou com sequelas emocionais ao ser deixado pela mãe quando criança, história que quase beira a de Bruna Surfistinha, adotada e desprezada pelos pais. Abandono, rejeição, ansiedade: falta de amor. Não nos faltarão motivos pra tornar a nossa vida mais difícil que o necessário.

Se você sofre de compulsão sexual, ou está indo nessa direção, está em tempo de enfrentar a dor de frente, levantar-se do tombo, desprender-se das algemas masoquistas que adestram nossa mente, recuperar a virgindade da alma, abrir mão da alta rotatividade de parceiros e conviver com a própria presença sem ser algo aflitivo, ter domínio dos próprios atos, assumir que algo precisa ser mudado sem a desculpa de usar a expressão “válvula de escape” para agir com inconsequência, se expondo às doenças físicas e mentais.

A nossa cabeça é um território vasto, blindado de forma que ninguém tem acesso. É onde vagam os pensamentos mais clandestinos, é o local onde convivemos com a nossa própria lógica, onde se estabelecem as batalhas internas e somente nós, Meninos de ferro, podemos decidir se vamos vencer ou fracassar.


Bruno de Abreu Rangel


sexta-feira, 6 de março de 2015

Por que procuramos pelos relacionamentos errados?



Aquela cena clássica. Um casal de amigos começa a lavar roupa suja na sua frente, trocar ofensas e atirar pedras que chegam a nos ferir. O arranca rabo começa a esquentar e alguém te chama pra briga:

‘Você concorda com isso, fulano de tal?’.

‘Eu?’. E você fica ali pasmo, com a faca no pescoço, sem saber o que dizer enquanto aguardam pelo seu veredicto pra seguirem em frente com a tragédia. Se você responde com o silêncio está contra ele, se tenta apaziguar está em cima do muro, se diz a verdade... Perde um dos amigos, ou os dois, porque eles sempre acabam voltando: a famosa relação ioiô.

Não tem aquela frase “Em briga de marido e mulher não se mete a colher?”.

Algumas pessoas são mais enérgicas do que outras, e algumas relações se firmam numa tempestade, por incrível que pareça. Eles compreendem que quando a chuva passa o sol reaparece, e isso é o suficiente para que um escolha o outro - todos os dias. Mas, isso não vale pra todo mundo. A maioria das pessoas quer tranquilidade, um relacionamento que seja alinhado, que tenha similaridade, que não é gostar da mesma coisa, mas enxergar o mundo com os mesmos olhos.

Andando na contramão, está a turminha dos que pagam pra ver. Sabem desde o início que a relação não terá um happy end, mas seguem adiante com uma história de amor que se torna numa roubada das grandes. Afinal, homens... “Ruim com eles, pior sem eles”. Será mesmo?

Ele diz A, você entende B. Ele é comunicativo e você é do tipo que se esconde, praticamente um bicho do mato. Ele se contenta com a barriguinha de chope, você se mata na academia. Ele é um freezer, você um mel na cueca. Ele quer se aventurar em outras camas, você se satisfaz com a monogamia. Mas o sexo quando acontece... Ah, esse sim é incrível, a cereja do bolo. Isso até se empanturrarem. O que sobra quando enjoarem dessa delícia toda, o que será da relação quando os pratos estiverem vazios? Não precisa ser tarólogo, pai de santo, fazer mapa astral pra saber que relacionamentos como esses têm os seus dias contados.

Se ele adora ficar enfurnado em casa jogando games e você não abre mão de passar o dia na praia com os amigos, terão que entrar num acordo sem que alguém saia perdendo. A dinâmica do “um finge que manda e o outro finge que obedece”, pode funcionar no início, mas se essa não é a sua natureza, o que mais precisa acontecer pra você entender que a sua relação é um Titanic?

Pela falta de amor próprio, muitos dizem amém e decidem viver a vida do outro, com o receio de serem menosprezados, jogados para o escanteio. Engolem as lágrimas, aguentam tudo calados, convivendo com a infelicidade, com a solidão a dois, tudo o que for possível para não terminarem o dia, sozinhos.

Como se não bastasse, se envolvem ainda mais, se jogam de cabeça, colocam o coração num corredor polonês, criando constrangimentos pra si sem vislumbrar o pior lá na frente. Há quem fique ainda mais apaixonado quando o cara insinua um “Não estou preparado para viver algo sério”. Entram na fissura de querer dobrar o outro, testar o poder de conquista e, às vezes, é necessário desenhar pra pessoa entender que isso significa: mete o pé.

Se a interação é predominantemente negativa, não é correspondida à altura, lhe tira o sono. Se você não confia nele quando a ligação cai na caixa postal, fica vasculhando os seus passos tentando achar pistas pra incriminá-lo, é hora de abandonar o barco, colega. Não é nosso trabalho ter que ficar na função de fazer alguém sorrir, ou vice-versa.

Nos meus tempos de hotelaria, conheci um casal que caminhava pelos corredores do luxuoso hotel e era recebido, pelos demais hóspedes, com olhares amargos que se pudessem resumir numa frase seria: isso não vai pra frente. Ele, americano, alto, loiro, com alto poder aquisitivo, rapaz de boas maneiras e gestos leves. Ela, uma suburbana, mulata, de estatura mediana, um pouco extravagante, falava com as mãos, tinha zero influência sobre a etiqueta social e não entendia uma só palavra em inglês: ei, traduz aqui pra mim, por favor.

 Um abismo intelectual.

O verão carioca se repetiu por algumas vezes. Eles tiveram um bebê, o rapaz já se arriscava no português, estava com um semblante mais alegre. Ela, com o inglês afiado, visualmente mais arrumada, com um ar sofisticado sem perder a carioquice do “mermo”. Entenderam que as diferenças eram insignificantes quando comparadas ao que tinham em comum: amor nos pequenos gestos. A porta do carro que ele abria (romance nunca sai de moda), os pedidos que ela solicitava pra ele na ponta da língua “a torrada não pode ter orégano”, a paciência que compartilhavam quando um não compreendia o idioma do outro, a vontade de estarem juntos sem ser algo sufocante. Estavam conectados.

Procuramos pelos relacionamentos errados porque ficamos atormentados mais com a ausência do que com a presença; porque insistimos em não dar ouvidos à nossa intuição e nos acomodamos num romance meia boca, já que temos o tempo a nosso favor; porque não temos segurança pra seguir em frente sem “cagar nas calças”; porque temos a doce ilusão de que podemos mudar a índole das pessoas e curar nossas feridas com o bendito Merthiolate que cicatriza, mas deixa marcas.

Ainda temos muito o que aprender com esse lance de amor. Todos nós estamos enfrentando as mesmas marés, as mesmas tempestades. Cada um precisa chegar às suas próprias conclusões. Olhe pra pessoa de longe. Veja como ela trata um garçom, os subalternos, esse é o tratamento que irá receber no futuro. Imagine-se com ela nos próximos meses, anos, décadas. Ela se encaixa nos seus planos, é alguém que você poderá recorrer quando tudo for de mal a pior? Os dias adiante não serão fáceis e é bom que a gente tenha isso bem resolvido na cabeça.


Bruno de Abreu Rangel