segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Meninos que roubam namorados


No Rio de Janeiro isso é bastante corriqueiro. Você conhece um partidão na balada, fica entorpecido com tamanha química, com o beijo que é uma delícia, e quando pensa em trocar contato com o rapaz ele já se foi com o seu telefone (no caso o aparelho mesmo). Mas não é sobre esse tipo de roubo que quero falar.

Enfim, vamos começar pelo básico do básico. Se um menino está namorando outro menino, logo eles têm um relacionamento. Até aí tudo bem? Para que seja possível tentar algo mais sério com qualquer um dos dois o ideal é esperar que o namoro atual termine. Vamos respeitar a vez do coleguinha?

Mas parece que muita gente anda furando fila – e o olho - também.

O mais curioso sobre esse assunto e que eu não posso deixar de citar, é a dificuldade de encontrarmos a tampa da panela quando estamos livres e desimpedidos. Ficamos com aquela sensação mórbida de fazermos parte da vitrine dos encalhados e, na maioria das vezes, as pessoas nos enxergam como meros pedaços de carne, ou no máximo, uns belisquetes de boteco que vêm com cervejinha de acompanhamento. Quer ter todos os homens do mundo aos seus pés? Então vai aqui um conselho infalível: arrume um namorado.

Seguindo a lógica de que “Uma andorinha só não faz verão”, é você se juntar à outra andorinha pra aparecer um bando de urubus querendo roubar o que “é seu”, ou te roubar do outro. A psique humana é tão masoquista, que se o pai da psicanálise, Sigmund Freud, ainda estivesse vivo iria bater com a cabeça na parede até sangrar só pra poder entender o que leva algumas pessoas a terem interesse pelo que é do próximo. Na minha terra isso se chama inveja, cobiça, falta de respeito. Mas o mundo real é terra de ninguém, e muitos passam por cima de qualquer valor.

Há alguns anos eu estava vivendo o “felizes para sempre” com certa andorinha, até que do nada surgiu um urubu e começou a me rodear, dizer que eu era sensacional, incrível e que moveria montanhas para ter a minha companhia (era um urubuzão bem interessante, por sinal). Depois desse, apareceu outro e mais outro. E logo pensei com meus botões que meu magnetismo estava em alta, mas preferi não trocar o certo pelo duvidoso e segui plainando pelos céus da vida. Até que num belo dia, não tão belo, cortaram minhas asinhas: levei um belíssimo pé na bunda. Quando aconteceu? Na véspera do carnaval. Tipo assim, o vale da carne seria Sexta e fui enxotado na Quinta à noite, sem ter tempo hábil para um plano B.

Curtir fossa nunca foi a minha praia. Então tive uma péssima grande ideia: procurar os três urubus que ficavam ciscando o meu relacionamento. O primeiro mal atendeu ao telefone e já fui logo contando que estava na pista. Ele respondeu: somos dois, e me desejou um bom carnaval (um fofo). O segundo disse que estava entrando no túnel Rebouças e que retornaria a ligação, pelo andar da carruagem deve ter ido parar na China. O terceiro não consegui ouvir direito o que ele dizia, mas pela voz da Ivete Sangalo ao fundo, estava em cima de um trio elétrico em Salvador - abadá bombando. Então, me restou aceitar o fato de que eu teria me tornado numa andorinha solitária, sem urubu, sem verão, sem carnaval e sem forças pra encarar bloquinho de rua. Com o coração depenado, decidi chorar bastante pra limpar a alma, e as lágrimas caíam em cima do Grindr (porque, lógico - eu não estava morto).

O grande lance da vida é poder rir de si mesmo.

Por ironia do destino. Comecei a namorar outra andorinha alguns meses depois, e então os três urubus voltaram e mais outros surgiram para atazanar a minha vida na nova temporada de “quero ter o que é dos outros”: como o ser humano é previsível.

 Pessoas mal resolvidas têm a necessidade de demarcar território, medir o seu poder de atração o tempo todo, abastecer o ego com competições bestas e costumam colocar a autoestima em patamares insuportáveis. A falta de vergonha é tanta que fica escancarada na face – ou no Face.

Esses dias foi comentado, numa roda de amigos, sobre um sujeito que anda “roubando” namorados através das redes sociais. Ele visualiza o perfil, verifica se o status do relacionamento é sério, entra num curto circuito de cutucadas e sai distribuindo likes em todas as fotos a torto e a direito. E quando o alvo morde a isca ele se sente aliviado em saber que o amor daquele casal não é tão forte. Assim sendo, ele perde o interesse de imediato, recolhe a sua pequenez de sentimentos, e pula pra outra. É isso mesmo, produção?

Quando achei que já tinha escutado o bastante surgiu a história de outro cuja atração era somente por rapazes que tinham envolvimento com o seu melhor amigo, e os maus exemplos foram se enfileirando de forma que daria pra lotar uma pool party. É o tipo de assunto que chega a dar ânsia de vômito.

Quando os nossos olhos se voltam para o que é dos outros, a nossa vida para. Nada vai pra frente. Algumas pessoas são, seguramente, mais invejosas e há muita coisa envolvida nisso, pois casa na praia, carro importado, helicóptero... Se você erguer as manguinhas, der todo o seu suor e até usar dos mais variados artifícios (nem quero saber quais são), você consegue alcançar o seu objetivo. Agora, um verdadeiro amor... Algumas pessoas se amam numa tarde mais do que muitos amam numa vida inteira. E é natural que isso incomode.

Se quiser proteger o seu romance é melhor ser mais discreto, amar sem fazer estardalhaço, ter a consciência de que Facebook não é diário, porque se o mundo não dá conta dos que roubam celulares, o que dirá prender os ladrões da vida alheia.

Bruno de Abreu Rangel

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O que a gente faz com a nossa vida enquanto a morte não acontece?



O último beijo

- Amor, cadê você? Estou indo para o trabalho, quero o meu beijo.  Anunciou ela com a porta da sala já entreaberta.

- Agora estou com a boca toda suja de iogurte e você tem aquela reunião importante hoje, esqueceu? Não pode se atrasar para o voo. Esbravejou ele da mesa da cozinha entretido com o noticiário da manhã.

- Ok. Smack smack smack. Fui!

- Te amo. Ah! Está levando a sua chave?

A porta já tinha sido batida. E sim, ela se esqueceu das chaves e ele – do beijo.

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De certo modo a gente anda realmente bastante atarefado, esquecendo nomes, aniversários; adiando aquela viagenzinha a dois na serra; a visita à avó que está fazendo hora extra no mundo; estamos deixando pra depois aquela geral no guarda roupas pra se desfazer das peças que nunca usamos; o telefonema pra mãe que está levando chá de cadeira. E quando conseguimos uma trégua, ficamos distraídos com a boca suja de iogurte.

Se a minha memória não anda falhando me recordo de que nos tempos de moleque existia uma gaveta com roupas exclusivas pra passear. Era praticamente crime usar uma blusa de Domingo em plena Segunda Feira. E a pena era pesada: dois dias sem assistir ao desenho favorito.  São os nossos pais nos adestrando em pensar que o amanhã é mais importante que o agora. Depois, com as espinhas, vieram os perfumes importados liberados somente em ocasiões importantes, e quando a barba coloriu todo o rosto veio aquele lero lero da casa própria (ter que economizar até o que não tem pra ter onde cair morto).

Na maioria das vezes as coisas não saem como a gente espera, e poderíamos ser muito mais felizes do que somos se a gente se desprendesse mais dessas fórmulas testadas e aprovadas pelo departamento das pessoas que já nasceram com tudo. Haverá sempre uma desculpa esfarrapada pra viver o amanhã: sonhar com um novo projeto mirabolante, perder mais dois quilos na próxima semana, fazer uma nova faculdade, comprar uma segunda casa, dar outra volta ao mundo, abrir mais uma empresa. O que a gente faz com a nossa vida enquanto a morte não acontece?

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Nesse dia, o marido se esquivou de um simples beijo com a desculpa de que ela poderia se atrasar, de que a sua boca estava suja (como se fosse preciso mover o mundo para usar um guardanapo), porque o noticiário cuspia uma revelação bombástica e ele não poderia perder por nada, pois tinha a certeza ilusória de que mais tarde a esposa voltaria com uma novidade esplêndida: a reunião do trabalho teria sido um sucesso. O tão esperado apartamento no Leblon ia, finalmente, sair do papel. Abririam aquele Cabernet Sauvignon comprado numa viagem à França e que já estava dando teia de aranhas. E então, fariam amor até o sol raiar.

Esse dia nunca chegou.

A garrafa de vinho nunca foi aberta.

E o apartamento do Leblon veio mundo abaixo quando o marido recebeu uma ligação para reconhecer o corpo. Do outro lado, uma voz, quase que mecânica, de uma pessoa que está acostumada a dar essas notícias de quinze em quinze minutos. E no lado de cá da escuta, um arrependimento que despedaça e nos transforma em pó.

‘- Amor, cadê você? Estou indo para o trabalho, quero o meu beijo. ’

Um arrependimento que adoece. A culpa de não ter tocado os seus lábios, sujado a droga da camisa de Domingo. A dúvida de que se talvez tivesse feito aquele pequeno gesto de amor teria evitado o acidente. Ou não, quem vai saber?

‘- Agora estou com a boca toda suja de iogurte e você tem aquela reunião importante hoje, esqueceu? Não pode se atrasar para o voo. ’

Desde que o ‘Eu te amo’ virou bom dia a gente anda colocando os sentimentos no modo avião. Falta conexão, mais verdade, mais olho no olho, mais vontade de estar juntos, mais cama desarrumada, mais obscenidades no cangote, mais fins de semana com pipoca jogados no tapete da sala. Porque a gente nunca sabe quando será o último dia, o último beijo, o último ‘Mô, estou chegando em casa’.

- Te amo. Ah! Está levando a sua chave?’

Precisamos ter mais criatividade pra amar num quarto e sala sem ficar naquela tortura patética de viver numa mansão à beira-mar. Entender que não importa se alimentamos, vestimos e damos o melhor aos nossos filhos, o que conta no final, é colocá-los no nosso colo e dizer o quanto os amamos – esse é o maior alimento para o espírito e que, certamente, os livrarão dos remédios tarja preta no futuro.

Mas o marido acordou a tempo. Saiu correndo, berrando com os pulmões, e alcançou a sua felicidade bem no elevador:

- Amor, aqui está a sua chave, eu te amo muito. Você me faz muito feliz, sabia? Se a reunião não sair como o esperado não importa, a gente dá um jeito. Estarei sempre esperando você voltar porque o seu sorriso é o meu oxigênio.

Ela sorriu com os olhos, sem conseguir expressar tamanha alegria. Passou-lhe as mãos na boca limpando o iogurte e despediu-se com um beijo daqueles de cinema.


Bruno de Abreu Rangel